segunda-feira, 24 de novembro de 2014

HERANÇAS ESCRAVOCRATAS, EXCLUSÃO NEGRA E O NOSSO RACISMO DE CADA DIA.

HERANÇAS ESCRAVOCRATAS, EXCLUSÃO NEGRA
E O NOSSO RACISMO DE CADA DIA.
Helder Molina - Licenciado e Bacharel em História, mestre em Educação,
doutor em Políticas Públicas e Formação Humana, professor da Faculdade de Educação da UERJ.

A exclusão negra e o racismo nosso de cada dia: da violência nas senzalas à miséria nas favelas. Novembro é o mês da consciência negra, celebramos e (re)memoramos a resistência do povo negro afrodescendente contra a exclusão, a violência e o racismo nosso de cada dia.
O racismo contemporâneo tem fortes componentes econômicos, mas sobretudo políticos, sociais e culturais. Um componente ideológico que tem sua raiz no nosso passado colonial escravista.
Os laços de exclusão social e econômica dos negros e das negras no Brasil contemporâneo tem suas explicações em nossos quase 400 anos de escravidão.
Precisamos entender e intervir no conflito social brasileiro como um conflito que é de classe, e de etnia. Ele não se inicia na virada do Império para a República, com a chegada dos imigrantes europeus para o trabalho industrial, mas sim com o desembarque do primeiro navio negreiro no Brasil. (Integrar-CUT, 1997).
Esse conflito, produto da nódoa escravista que mancha a história brasileira, se aguçou com as revoltas negras, para resistir e fugir da escravidão. O conflito está presente nas lutas dos quilombolas de Palmares, na revolta dos Malês, na Balaiada, na Sabinada, no Dragão do Mar, na Revolta da Chibata, Búzios e tantas outras lutas de resistência ao colonialismo escravista.
Lutas estas que tanto honram nosso povo pobre, índio, negro e mestiço. Lutas que, como cantam os versos de Aldir Blanc e João Bosco , merecem " glórias a todas as lutas inglórias, que através de nossa história, não esquecemos jamais". A abolição formal da escravatura não resultou numa superação das mentalidades escravocratas das elites, empresarial e política, brasileiras, ao longo deste século.
Se por um lado altera a forma da relação capital-trabalho, passando do escravismo para o assalariamento, por outro lado não melhora a vida dos ex-escravos, agora homens negros livres e pobres, e de seus descendentes. Livre do açoite da senzala, são feitos novos prisioneiros, agora da miséria e exclusão, nas favelas, prisões, filas de desempregos, nos trabalhos precários, na ausência de direitos humanos e sociais básicos, como saúde, moradia e educação.
Os dominadores – ex proprietários de escravos que se metamorfosearam em patrões e proprietários de capitais, continuaram dominando e explorando a força de trabalho dos trabalhadores assalariados.
Permanecem com os mesmos privilégios e os mesmos domínios econômicos e políticos. Os latifúndios, em sua essência, permanecem intocados. Os capitalistas emergentes sugam a mais-valia dos salários e mantém as velhas formas de exploração do trabalho humano. No início do século XX trocaram a força de trabalho do escravo africano pela do imigrante europeu.
Os negros e negras, analfabetos, sem direitos, sem cidadania, sem posses, na mais absoluta miséria, e sem alternativas de vida, se lançam a própria sorte, no subemprego, na marginalidade, nas ruas, nos cortiços. Excluídos ontem, excluídos sempre. Hoje, o trabalho informal ou forçado, a precarização atingem majoritariamente a população negra.
O capitalismo, sistema opressor dos direitos humanos, continua vitimando negros e negras no mundo do trabalho. A luta pela cidadania ativa presupõe enfrentar e debater a exclusão e a desigualdade, entendendo que o enfrentamento da questão racial é um componente fundamental para a construção de um país justo, democrático e desenvolvido, com igualdade de oportunidades para todos os que vivem do trabalho.
Mais que isso, lutar pela superação do capitalismo, sistema produtor de injustiças, misérias, degradação ambiental, barbárie. E a perspectiva histórica de construir um outro projeto de sociedade, baseado na solidariedade, sustentabilidade, distribuição justa da riqueza social e democracia plena do poder político.
Vendo os trabalhadores como produtores das riquezas e sujeitos históricos. Esse debate tem que estar presente, urgentemente, nos sindicatos, nas escolas, nos movimentos sociais, nas comunidades, nos locais de trabalho.
Historicamente os direitos e as condições sociais dos negros e negras no Brasil estiveram vinculados à lembrança da data 13 de maio, data em que se oficializou a Lei Áurea, em 1888, abolindo a legalmente a escravidão brasileira.
Nessa data, as escolas "celebravam" a "libertação" dos escravos, as crianças negras encenam ou participam de eventos, geralmente no papel de escravos. Alguma criança branca, loira de preferência se vestia de princesa Isabel, nada era falado sobre a resistência e as lutas dos negros, o destaque era pela ação da princesa Isabel.
Nos anos 70 com a retomada das lutas populares contra a Ditadura militar, o renascimento do sindicalismo combativo e autônomo, iniciou-se uma vigorosa reorganização dos movimentos sociais, urbanos e rurais, gerais e específicos. Os movimentos negros, com a marca da pluralidade, da diversidade, do respeito à diferença, retomam a cenas política e social brasileira.
Resgatando a luta para que o povo brasileiro conhecesse a história a partir das lutas de resistências dos negros africanos e brasileiros, contra a opressão e exploração imposta pelas elites, colonial, imperial ou republicana.
Um os pontos principais dos movimentos negros na atualidade foi enunciar que o dia 13 de maio não deve ser comemorado enfatizando a passividade do negro diante da ação misericordiosa do branco, afinal, durante a escravidão houve muitos movimentos de luta e resistência em diversas regiões do país, e resgatando o dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi – do Quilombo dos Palmares – como uma data a ser lembrada e comemorada, já que ele é considerado um dos principais símbolos de luta e resistência contra a opressão e exclusão vivenciada hoje pelos afros-descendentes. (Cardoso)A intenção de comemorar essa data – 20 de novembro – se deu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
O primeiro passo foi dado, conta o historiador Alfredo Boulos Júnior, pelo poeta Oliveira Silveira, membro do Grupo Palmares, uma associação cultural negra. Ao conhecerem o livro "O Quilombo dos Palmares", de Edison Carneiro (baiano), os participantes dessa associação entenderam que Palmares foi a maior manifestação de resistência negra na história brasileira(Cardoso)No dia 20 de novembro de 1971, no Clube Náutico Marcílio Dias, fez-se a primeira homenagem a Zumbi dos Palmares (Cardoso)
Esse foi o primeiro passo para que ocorresse em Salvador no dia 7 de julho de 1978, uma proposta pelo MNU – Movimento Negro Unificado – para que em 20 de novembro fosse o dia Nacional da Consciência Negra. Associações e Movimentos Negros de todo o país aceitaram a proposta e essa data representa o resgate no sentido político de luta, da resistência contra a opressão social.
Assim, a partir da década de 70, Zumbi passou a ser valorizado no contexto de luta contra o mito da "democracia racial", auxiliando na desmistificação que a história apregoa sobre o tipo de relações raciais desenvolvidas no Brasil, como sendo uma escravidão pouco violenta e de resistências sem tanta importância.(Cardoso)
A visão da "democracia racial" ainda tenta apresentar para a sociedade a idéia de que os diferentes grupos étnico-raciais no Brasil existentes viveram e ainda vivem harmoniosamente diferentes da resistência dos outros paises. Daí a importância de Zumbi dos Palmares, sua representação ativa e rebelde se contrapõe a toda essa idéia instituída pelo branco.
A imagem de Zumbi não só representa a resistência negra, mas, contribui também, para que negros e brancos compreendam, aceitem e reconheçam as diferenças humanas.Em 2003, foi sancionada a lei 10.639/03 sendo instituída obrigatoriedade da inclusão da História da África e da Cultura Afro-brasileira no currículo das escolas pública e particular de ensino fundamental e médio.
A lei também determina que o dia 20 de novembro deverá ser incluído no calendário escolar como dia Nacional da Consciência Negra. Toda essa nova leitura sobre o negro se deve principalmente à luta da Comunidade Negra e dos Movimentos Negros de todo Brasil.
Ao relembrar toda essa trajetória de vitórias não só do negro, mas, também do povo brasileiro, por sermos um povo miscigenado e termos como herança nosso jeito guerreiro de ser - nunca desistimos - sendo assim, conclamo a todos para refletir sobre a necessidade de acolhermo-nos uns aos outros, pondo por fim o preconceito racial
A baixa renda das famílias negras obriga boa parte dos jovens a abandonar precocemente a escola para o ingresso no mercado de trabalho. Segundo o "Mapa da Violência de 2010 – Os Jovens do Brasil", divulgado pela OEI, é alto o índice de violência sofrida pelos negros. O estudo aponta que o jovem negro é o principal alvo: com 72,1% das mortes.
Outra forma de violência que podemos citar é a forma como os meios de comunicação e livros escolares retratam negros e negras - estereotipados como subalternos, escravos, sem família e como trabalhadores sem qualificação. Importantes iniciativas políticas, a partir das lutas dos trabalhadores e movimentos sociais, foram conquistadas nos últimos anos.
As cotas de acesso ao ensino superior público, o Prouni, a criação de uma secretaria federal, com caráter de ministério, de promoção e defesa dos direitos da população negra – SEPIR, entre outras, devem ser valorizadas, mas ainda é pouco diante da dívida histórica e da reparação social que o Estado e a sociedade brasileira tem com a população negra.
Com o exemplo de Zumbi, só a luta coletiva, o combate permanente, e a organização em movimentos sociais e sindicatos é que vão garantir a correlação de forças para virar a mesa e mudar a história.
• Viva Zumbi dos Palmares e a luta dos quilombolas. Viva o dia da Consciência e da Luta dos negros e negras, hoje. Viva a resistência do povo contra o preconceito, o racismo, a opressão e exploração de classe.
• Inclusão no mercado de trabalho dos trabalhadores negros e negras; Titulação das terras das Comunidades Quilombolas;
• Democratização do acesso da juventude negra à universidade pública; Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial;
• Melhor distribuição de renda; Acesso à saúde e educação com qualidade; Cultura e lazer; habitação; Respeito às religiões de matrizes africanas;
• Contra o racismo, o machismo e a homofobia. Participação política nos trabalhadores, nos sindicatos e movimentos populares.