terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ORIGENS DO TRABALHO LIVRE E ASSALARIADO NO BRASIL:


UM BREVE ESTUDO SOBRE O ESTADO OLIGÁRQUICO, NASCIMENTO DAS FÁBRICAS E SURGIMENTO DA CLASSE OPERÁRIA NO BRASIL

HELDER MOLINA


Rio de Janeiro
Maio de 2005


1) – INTRODUÇÃO:

Este texto, produzido para a disciplina Brasil República, na Pós Graduação em História do Brasil, da Universidade Cândido Mendes, tem por objetivo analisar o processo de transição de transição do trabalho escravo para o regime de trabalho livre e assalariado no Brasil, no contexto das mudanças sócio econômicas verificados no final do século XIX e início do século XX, com a abolição formal da escravidão, a crise do Império e o nascimento do Estado Republicano oligárguico e do capitalismo industrial em nosso país.
Nesse contexto, se definem os projetos de República, com papel dirigente destinado às oligarquias cafeeiras, marcadas por intensas lutas de resistências e mesmo de insurreições populares, e em que entram em cena os operários e os outros trabalhadores urbanos, desempenhando papéis preponderantes nos rumos políticos da nação que ora se afirmava.
Dado os limites deste trabalho, enfocaremos um dos cenários dessa transição, essencialmente no mundo do trabalho, nos primeiros anos de afirmação da classe operária, nas suas adversas condições concretas de sobrevivência, seu crescimento e abrangência num ambiente de exclusão social, sua situação social e política, a luta pelos direitos trabalhistas e os primeiros passos do que seria o surgimento do Movimento Sindical Brasileiro.
Por uma opção metodológica e por ausência de espaço, e dado a complexidade das análises que teríamos que empreender, não estudaremos o movimento sindical surgido a partir das experiências desenvolvidas pelos Anarquistas, Comunistas e Socialistas, correntes políticas e ideológicas do movimento operário e sindical internacional , que influenciaram decisivamente no surgimento do movimento operário organizado no Brasil, que tem seu auge na formação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922.
Estudar história é necessariamente fazer escolhas, excluir abordagens, definir prioridades, delimitar recortes. Os objetos de estudos - os fatos históricos – nos são colocados à interpretação, mobilizados pela ideologia e pela intencionalidade do autor, sempre de formas multidimensionais, se expressam sempre em possibilidades multifacetadas, diferentes enfoques. Fizemos uma escolha.
Nosso breve estudo remonta o período de 1870 a 1920, um período de quatro décadas onde a industrialização e a urbanização dos seus primeiros passos, tendo no trabalhador um dos sujeitos históricos fundamentais, na rica experiência produzida a partir do encontro entre os negros recém liberados do regime de cativeiro e os operários vindos da Europa para o trabalho na indústria.
Utilizamos fontes secundárias, a partir de um revisão de algumas literaturas, portanto bibliográfico, tanto do campo da História quanto da Sociologia, especialmente os trabalhos feitos por estudiosos do sindicalismo, sobre o tema e o contexto histórico aqui delimitado.


2) – DA ESCRAVIDÃO AO TRABALHO LIVRE: O NASCIMENTO DAS FÁBRICAS.


Ainda permanecem vivas e atuais as palavras ditas por Marx e Engels no Manifesto Comunista, reproduzidas pelos participantes do I Congresso Socialista Brasileiro, em 1892, no Manifesto aos Proletários, no primeiro parágrafo
“A história das sociedades humanas, dcsde que se constituíram e onde quer que envolvessem, é a história mesma da luta de classes; e desse pugnar incessante resultou, com o decorrer dos tempos, a eliminação de algumas dessas classes, podendo-se atualmente considerar que somente duas permaneceram extremadas em campos adversos, inconciliáveis em seus interesses: Tais são a classe burguesa e a classe dos assalariados”.

Segundo Antunes (1991), a origem da classe operária brasileira remonta aos últimos anos do século XIX e está vinculada ao processo de transformação na nossa economia, cujo centro agrário exportador cafeeiro ainda predominante. Porém, ao criar o trabalho assalariado em substituição ao escravo, ao transferir parte de seus lucros para as atividades industriais e ao propiciar a constituição de um amplo mercado interno, a economia exportadora criou, num primeiro momento, as bases necessárias para a constituição do capital industrial no Brasil.
E com isso criou também os primeiro núcleos operários, instalados, fundamentalmente, na região de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi no bojo desse processo que surgiram as primeiras lutas operárias no Brasil
Em meados do século XIX no Brasil, o mundo do trabalho era basicamente constituído por escravos e por pequenos lavradores que trabalhavam no campo e cultivavam a terra para seu sustento. Nas cidades os trabalhadores livres eram artesões, que trabalhavam em pequenas oficinas onde faziam o seu trabalho. Havia também a presença de um contingente de comerciantes e funcionários públicos.
A força de trabalho imigrante torna-se a alternativa para os fazendeiros, estes passaram a contratar, de outros países, os trabalhadores livres que estivessem dispostos ao assalariamento.
Isso trouxe uma grande vantagem para os fazendeiros, eles não precisavam mais comprar escravos. Além disso, os salários eram baixos e, como o fazendeiro cedia um pedaço de terra para o imigrante plantar, eles mesmo tratavam de produzir alimentos para sua sustentação e de sua família.
Os trabalhadores assalariados, que não eram obrigados a trabalhar à força como escravos, produziam mais por que ganhavam por produção. Assim, o capital que os fazendeiros investiam na compra e manutenção de escravos, poderia ser economizado ou transferido para investimentos em máquinas, estradas de ferro ou na indústria.
O fim a abolição formal da escravidão, em 1888, e a contratação de milhares de trabalhadores europeus livres assalariados para trabalhar nas atividades ligadas ao café e açucar, propiciou o surgimento de um grande número de pessoas que podiam comprar os produtos industrializados e outras mercadorias. Criava-se assim o mercado consumidor, um dos motivos de ser do capitalismo industrial e do liberalismo econômico, em voga na Europa, e que fundamentou, a partir da Inglaterra, a necessidade de encerrar o regime escravocrata existente desde meados do século XVI no Brasil.
Para criar uma indústria eram preciso existir capital para investir na produção e um grande número de trabalhadores dispostos a vender força de trabalho. Era preciso encontrar um grande contingente de trabalhadores que não tivessem outra forma de ganhar a vida, a não ser trabalhando em troca de salário. Essas pessoas existiam e eram os antigos escravos que deixavam as fazendas e os imigrantes, que chagavam ao Brasil em grande número, em busca de trabalho e de melhores condições de vida.
Os trabalhadores recém libertos da escravidão não possuiam habilidades técnicas para o trabalho fabril . Os operários imigrantes tinham experiência do trabalho industrial e da cultura operária e sindical. Desse encontro vai nascer a classe operária, o proletariado brasileiro.
Com o nascimento das fábricas, o trabalho assalariado se tornou uma forma comum de trabalho no Brasil. Com o trabalho assalariado, o trabalhador. Uma parte do capital para o investimento na indústria veio, como veremos adiante, dos lucros acumulados pelos produtores e comercializadores de café. Outra parte veio das empresas e bancos estrangeiros que, ou emprestavam dinheiro a juros, ou aplicavam eles mesmos diretamente na formação das fábricas.
Os capitalistas estrangeiros investiram na indústria brasileira por duas razões, a primeira era que seus lucros haviam crescido muito e eles precisavam arrumar outros negócios e novos países para investir seu dinheiro. A segunda razão é que era mais lucrativo investir no Brasil, por causa da abundância em matérias primas (algodão para a indústria textil, por exemplo) que podiam ser transformadas em manufaturas.
Os custos seriam bem menores em montar as fábricas aqui do que transportar essas matérias primas para a Europa. Além disso, os trabalhadores da Europa tinham sindicatos fortes que exigiam melhores salários, férias e outros direitos trabalhistas.
Até o final do século XIX, os sindicatos praticamente não existiam, os salários extremamente baixos, ausência dos direitos trabalhistas mais elementares. Tudo isso diminuia os custos com a produção, aumentando ainda mais os lucros dos capitalistas.


3) – A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA URBANA.

A formação do proletariado no Brasil teve início na segunda metade do século XIX, em função do nascimento da indústria, que, por sua vez, foi parte de um processo de profundas transformações por que passava a sociedade brasileira naquele momento, devido, principalmente, ao desenvolvimento da economia cafeeira no Rio de Janeiro, sul de Minas Gerais e São Paulo.
Junto e em função da produção de café aparecem as ferrovias, multiplica-se o número de bancos, desenvolve-se o comércio, introduz-se o trabalho imigrante, instalavam-se as indústrias, crescem as cidades e surgem novas categorias e classes sociais.
Progressivamente, as ferrovias substituem os animais de carga, os barcos à vela são substituidos pelos a vapor, é implantado o telégrafo, etc. Tudo isto torna a circulação de mercadorias muito mais rápida e barata.
Em determinadas regiões, inicia-se um processo de modernização da agricultura, principalmente na região açucareira do Nordeste, com a substituição do engenho pela usina, e nas fazendas de café do oeste paulista, com a introdução de novas técnicas de beneficiamento do produto com o trabalho livre do imigrante.
A urbanização crescente faz com as cidades aumentem em tamanho9 e número. Desenvolve-se o capital comercial e financeiro, com a fundação de casas importadoras, bancos, etc.. Começam a ser instalados novas indústrias – que em 1850 eram em número de 72, produzindo tecidos de algodão, bebidas, cigarros, velas, chapéus e outros bens.
Algumas fundições e até mesmo um estaleiro fazem sua aparição. Apesar de pequenas e de utilizarem pouca energia mecânica, a partir daí tais indústrias multiplicam-se e modernizam-se.
Aos poucos, esse processo não só abalou profundamente o sistema de trabalho escravo como também foi responsável direto pela sua destruição até o final do século e por sua substituição gradual pelo trabalho livre do imigrante europeu, que passou a entrar cada vez em maior número no país, como pode ser visto pelo quadro abaixo

Período
Número de imigrantes
1851-60
1861-1870
1871-80
1881-90
1891-1900
1901-10
1911-20
1921-30
121.000
97.000
219.000
530.000
1.129.000
671.000
717.000
840.000

Esses imigrante eram em sua maioria italianos, portugueses, espanhóis e alemães. Apesar de, no início, serem instalados nas fazendas de café, com o tempo forma também morar e trabalhar nas cidades, dedicando-se ao comércio , artesanato ou atividades industriais, como patrões ou como operários. Fundaram várias indústrias de tecidos, massas, chapéus, calçados e outras.
Alguns ganharam destaquem como os Matarazzo, Ramenzoni, Scarpa, Giovani, Bricola e Jafet. No entanto, a grande maioria acabou engrossando as fileiras do proletariado nas indústrias e nas fazendas de café. E, 1901, 90% dos operários das fábricas de São Paulo eram europeus, principalmente italianos; em 1913 essa proporção era de 82%; em 1920 era de 40%.
A partir de 1880, esse processo ganhou impulso com a aceleração do desenvolvimento industrial, devido9, em parte, ao crescimento da economia cafeeira e ao alto afluxo de capital internacional. Assim é que entre 1880 e 1884 foram criadas 150 indústrias e nos cinco anos seguintes mais 284, fazendo com que em 1889 existissem 636 estabelecimentos industriai, com 54.159 operários; aumentando, em 1907, para 3.410, com 156.250 operários; e 13.336 em 1920, com um total de 275.512 operários.
A maior parte dos estabelecimentos industriais foi criada ou financiada com capital de firma importadoras estrangeiras e, principalmente, com o capital proveniente do café.
Segundo Edgar Carone
“Foi o capital cafeeiro que promoveu essa primeira expansão industrial, tanto de forma direta como indireta. Fazendeiros e comerciantes de importação investiam seus lucros diretamente em industrias ou indiretamente quando seus ganhos transitavam pelo sistema bancário ou por qualquer forma de intermediação financeira de capital”( 1988)

Apesar do papel hegemônico que o capital acumulado pela economia cafeeira exerceu n esse contexto, garantindo financiamento à indústria nascente, não se pode deduzir que as relações entre o capital cafeeiro e a expansão industrial se dessem num só sentido ou numa só direção.
Carone (1988) analisa que
“Foi nesse período de auge da acumulação cafeeira, quando os lucros estavam muito acima das possibilidades de inversão no setor, em que o capital cafeeira desloca-se para a indústria. E é nos períodos de auge do café que a capacidade produtiva das indústrias cresce, dada a possibilidade de importação de máquinas e equipamentos necessários. Porém,, em certos períodos de baixa do café, apesar da redução da capacidade de importar, a produção industrial crescia através da absorção da capacidade ociosa. Se as desvalorizações cambiais realizadas com intuito de segurar os preços internos do café provocavam o aumento dos preços de importação dos bens de produção, aumentavam os preços dos produtos industriais importados e as isenções tarifáricas beneficiavam as importações dos bens de produção. Além disso, a própria redução da capacidade para importar e a elevação da rentabilidade industrial levavam os importadores a investir seus lucros do comércio em atividades industriais.

O desenvolvimento da indústria no Brasil não atravessou um processo longo e linear de evolução do artesanato e da manufatura, mas ocorreu através da implantação da grande industria mecanizada.
A produção se restringiu nesse primeiro momento, aos bens de consumo não duráveis, como tecidos, alimentos, etc., e se situou principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Por essa razão, a classe operária se concentrou em determinadas regiões do país em que existiam indústrias grandes para a época, facilitando sua organização e suas lutas.
Em 1919, a concentração regional da indústria brasileira pode ser medida pelo valor bruto da produção por estado, com São Paulo detendo 31,5%; Distrito Federal e Rio de Janeiro, 28,2%; Rio Grande do Sul, 11,1%; Pernambuco, 6,8%; Minas gerais, 5,6%; Paraná, 3,2%: Bahia, 2,8%; Bahia, 2,8%, Santa Catarina, 1,9%; Região Norte, 1,3%; Goias e Mato Grosso, 0,43%.
Leonardi (1991) aponta os números dessas desigual distribuição geográfica, que corresponde também uma desequilibrada concentração operária. Em 1910, entre 91 estabelecimentos recenseados na capital de São Paulo, 50% destes empregam de 50 a 229 operários; sete possuem de 300 a 399 empregados; dois de 4000 a 499; dois de 600; e um com cerca de 800.
Ainda baseado em Leonardi (1991), em 1910, em 24 tecelagens temos 307 operários por unidade; em 1918, uma só tecelagem ocupa mais de 2000 operários, em tr6es turnos. Pelo recenseamento de 1920, o número de tecelões em São Paulo é de 300 por fábrica; em 1930, com a multiplicação de tecelagens, a média para 250. A Bahia é um exemplo de estado que possui pequeno número de indústria com grande concentração operárias. Em 1910 existem sete fábricas de tecidos com 5.230 operários, o que dá a média de 744; em 1920, em nove fábricas, temos 7.220 trabalhadores, com a média de 802. Na fábrica de charutos da Costa trabalham 1.300 operários.
Isso, porém, não significa que inexistissem pequenas indústrias ou penas oficinas artesanais de fundo de quintal. Ao contrário, elas constituiam numericamente a maioria.
Segundo Azis (1989)
“É incalculável o número de tendas, de sapatarias, mercearias, fábricas de massas, graxas, óleos, de tintas de escrever, fundições, tinturarias, fábricas de calçados, manufaturas de roupas que funcionam em estalagens, em fundos de armazéns, isto é, em lugares que o público nào vê.”

A classe operária era numericamente pequena em relação à sociedade brasileira naquele período histórico, quando a maioria dos trabalhadores vivia sob relações de produção não capitalistas. O contingente operário, mesmo nas grandes cidades, era comparativamente menor que o conjunto dos trabalhadores. Com o tempo, a classe foi crescendo e ganhando contornos mais nítidos, multiplicando-se em número de operários e categorias profissionais.
Esse processo de transformações, que teve como centro a economia cafeeira e a implantação da indústria, resultou no surgimento e desenvolvimento de novas categorias e classes sociais.
Fausto (1979) afirma que o fato mais importante, nesse sentido, foi o aparecimento, nos centros urbanos, de uma classe empresarial (burguesia urbana), industriais, comerciantes, banqueiros, acionistas de estradas de ferro, etc., empregados no comércio, ferroviários, bancários e outros.
Também cresceu a classe média; pequenos comerciantes, vendeiros taverneiros, padeiros, artesões de várias atividades, os funcionários públicos, particularmente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife. Nos campos, na zona cafeeira, com imigração estrangeira , aumentando enormemente o semi proletariado rural ( os colonos); na zona açucareira do Nordeste, com os engenhos centrais, tem início a penetração do proletariado; na região Sul, com a colonização realizada, surgiu e difundiu-se a pequena propriedade agrícola, dando nascimento também aos artesões.
à medida que esse processo de transformação avançou e a indústria foi sendo implantada, surgiram duas classes sociais – a burguesia e a classe operária, ou proletariado, como eram identificados os trabalhadores urbanos naquele contexto.
Com interesses contraditórios e mesmo antagônicos entre si. A primeira, formada por industriais, banqueiros, comerciantes, etc., proprietários das máquinas, capital, matérias-primas, enfim, dos meios de produção, subsistiu e se desenvolveu com base na exploração de mais-valia da força de trabalho.
A segunda, constituida por operários fabris, ferroviários, portuários, etc., encontrava-se expropriada dos meios de produção e dispondo, para sobreviver, apenas de força de trabalho que se via obrigada a vende no mercado para o capitalista em troca de um salário.

III – AS CONDIÇÕES MATERIAIS, SOCIAIS E POLÍTICAS DE EXISTÊNCIA DOS TRABALHADORES.

As condições de vida e trabalho dos primeiro operários brasileiros eram difíceis. A jornada de trabalho, em muitos casos, chegava-se a 12, 14 e até 15 horas por dia e os trabalhadores não tinham direito ao descanso semanal remunerado, a domingos, a feriados ou a férias anuais.
Carone (1988) afirma que os horários, até 1930, dependem da vontade e das necessidade patronais. Não havia dias de descanso, somente se respeitavam feriados restritos e de muita importância, como o da Paixão e do Natal, datas símbolos da religião cristã.
Não existiam, muitas vezes, contratos de trabalho. Os operários eram admitidos e demitidos verbalmente se sem qualquer tipo de indenização. em caso de atraso de pagamento, os operários não contavam com nenhum recurso jurídico contra seus patrões.
Os capitalistas não tinham qualquer obrigação cm caso de doença do trabalhador, mesmo em se tratando de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais.
Para Leonardi (1991), acidentes de trabalho e doenças profissionais eram comuns na época, dado o enorme grau de insalubridade, periculosdade e péssimas condições de higiene nos ambientes de trabalho, doenças como tuberculose, pneumonia, e acidentes que causavam perdas de dedos, mãos e até mortes nas engrenagens e serras, nos locais de trabalho.
Segundo Rodrigues (1979), o depoimento de um operário sapateiro ilustra bem esta situação
“Não tínhamos seguro de acidentes, nem assistência médica de nenhuma espécie. quando alguém ficava doente ou se acidentava. Quando alguém ficava doente ou se acidentava, era socorrido por meio de listas, de subscrições, de peditórios, de esmola, melhor dito. Forma de solidariedade humana então comum entre os trabalhadores”.

Inexistia o contrato de trabalho com garantias legais, sendo a admissão e a retirada do operário atos resolvidos oralmente, mesmo sem aviso prévio e nenhuma indenização ao trabalhador dispensado, qualquer que fosse o motivo e o tempo de prestação de serviço ao estabelecimento.
A disciplina e a coerção no interior das fábricas eram bastante rigorosas, visando a garantia do máximo de rendimento de mão-de-obra. Os operários estavam sujeitos a multas, castigos corporais, ameaças e outros tipos de coação.
Segundo Rodrigues (1979), o depoimento de um operário mostra que “cada fábrica tinha um aspecto fosco e hostil de presídio, com seus guardas de portão fardados e armados, operários e operárias submetidas a vexatórias revistas e humilhantes observações, quando não recebiam ameaças de toda sorte.
O depoimento de um outro operário, um tecelão assinala que ele presenciou “várias e várias vezes, a aplicação de multas e outros castigos aos operários e operárias, quando cometiam enganos . Porém nada adiantava a indignação”. E acrescenta, “tinhamos mesmo que pagar o fio estragado e ainda perdíamos a mão-de-obra quando, involuntariamente, qualquer erro natural do trabalho nos responsabilizava.
Junto com as péssima condições de trabalho, a classe operária suportava o precário nível de vida, devido aos baixos salários, ao desemprego, ao custo de vida alto e aos aluguéis caros, o que trazia, como consequência, a subnutrição e as doenças.
A remuneração da mão-de-obra era estipulada, dentro da conjuntura do mercado de trabalho, segundo os cálculos de cada um empregador ou empregadores de cada setor econômico.
Ainda segundo Rodrigues (1979), um observador diz que, na época, o
“o exíguo grupo capitalista aglutinado em oligarquia patronal, que se havia abalançado à criação de fábricas geralmente de tecelagem e metalurgia, estabelecera seus cálculos sobre uma base salarial baixíssima, salário de escravo, exploração brutal do braço humilde que se encontrava em abundância no país, gente de pés descalços e alimentação parca – um punhado de farinha de mandioca, feijão, arroz, carne seca -, artigos alimentares baratos e abundantes no mercado; café adoçado com mascavo e um pouco de farinha, pois pão era artigo de luxo, bem como o leite, a carne, os condimentos e os legumes, estes últimos desconhecidos nas casas dos trabalhadores. E quanto à moradia, estava confinada a barracões em fundo de quintal, em porões insalubres, em casebres geminados (cortiços).

O Jornal “A Plebe” de agosto de 1902, “as casas eram infectas, as ruas, na quase totalidade, não são calçadas, há falta de água para os mais necessários místeres, escassez de luz e esgotos”.
Nas primeiras décadas deste século, as habitações operárias concentravam-se, geralmente, nas proximidades das fábricas, em bairros como Brás, Moóca, Belenzinho, Pari, Bexiga, Lapa, Água Branca, Cambuci, Ipiranga e Vila Prudente, em São Paulo. Bangú, Gamboa, São Cristóvão, Gávea, Tijuca, No Rio de Janeiro. Jaboatão e São José, No Recife.
Neles, predominavam cortiços e casas minúsculas em terrenos insalubres. Alguns empresários, como Jorge Street, Por exemplo, construíram vilas operárias, entre elas, a de Maria Zélia, em São Paulo. Embora confortáveis que os cortiços, isolavam-se os operários de outros setores da classe e os mantinham sob controle social e ideológico da empresa.
Os baixos salários, insuficientes para sustentar uma família operária, forçaram a entrada de mulheres e crianças no mercado de trabalho, onde passaram a representar uma parte significativa na composição da força de trabalho, principalmente dos setores têxtil, de vestuário ealguns outros.
Isso implicou um rebaixamento ainda maior dos salários e aumento do desemprego entre os trabalhadores adultos do sexo masculino; consequentemente, facilitou a superexploração da mão-de-obra proletária pela burguesia.
O jornal operário “A Plebe”, noticiou, em 1919, que os donos de uma tecelagem
“despediram ontem, sem mais nem menos, 17 operários, todos eles já antigos na casa. Procurando saber os motivos de tal gesto, as vítimas puderam averiguar que eles pretendem arranjar menores para fazerem o serviço, porque as crianças são exploradas mais facilmente e contentavam-se com a pequena remuneração”. (Simão, 1976).

Em 1901, um relatório oficial apontou que um grande número de meninos de 09 a 11 anos trabalhava durante o dia e a noite nas indústrias, aparecendo até mesmo casos de crianças de 05 anos que vendiam sua força de trabalho.
Ainda segundo “A Plebe” citado no trabalho de Simão (1976) s mulheres nesse ano representavam 33% da força de trabalho em São Paulo.
Em 1912, ainda segundo essa mesma fonte, dos 10.204 operários de 31 fábricas têxteis de São Paulo, 67% eram mulheres e em grande parte menores. Segundo Carone (1988)
“na indústria metalúrgica ou mecânica, o número de menores também era predominante, sendo que aqui o sexo aceito era o masculin. Com exceção de um reduzidíssimo número de técnicos (mecânicos, ferramenteiros, moldadores, fundidores) o restante era constituido de carvoeiros, alimentadores de fornalhas, fazendo serviços quase suicidas pelas bronquites, pneumonias, reumatismo que iam contraindo. Os menores (em que se contavam rapazinho de 08 anos) eram empregados em serviços pesados, alguns incompatíveis com sua idade e constituição física.”(1988).


Uma das principais lutas do movimento operário brasileiro era contra a utilização indiscriminada de mão-de-obra infantil nas industrias, como assinalou, em 1917, um artigo do jornal O Estado de São Paulo,
por ocasião do recente movimento grevista uma das reclamações mais insistentes dos operários era contra a exploração dos menores nas fábricas. Aliás não faziam mais que exigir o cumprimento das leis existentes. Entretanto, os industriais, à exceção da firma X – que conta com a inimizade do inspetor sanitário – continuam a empregar menores em trabalhos impróprios. Entre eles, podemos citar nominalmente o sr. Y porque assistimos ontem à entrada de cerca de 60 pequenos às 19 horas na sua fábrica na Moóca. Essas crianças, entrando àquela hora, saem às 06 horas. Trabalhava, pois, 11 horas a fio, em serviço noturno, apenas com um descanso de 20 minutos, à meia-noite. O pior é elas se queixam de são espancadas pelo mestre de fiação. Muitas nos mostraram equimoses nos braços e nas costas. Algumas apresentam mesmo ferimentos produzidos com uma manivela. Uma há com as orelhas feridos por continuados violentos puxões. Trata-se de crianças de 12, 13 e 14 anos.



Contra as difíceis condições de vida e de trabalho, a classe operária começou a se organizar e luta pela melhoria de sua situação. As principais reivindicações eram, diminuição da jornada de trabalho para 08 horas, ão da jornada de trabalho para 08 horas, repouso semanal, regulamentação do trabalho da mulher e do menor e aumento salarial. Algumas dessas reivindicações foram conquistada, como, por exemplo, ocorreu com o decreto de janeiro de 1891,que regulamentava o trabalho de menores.
O liberalismo ortodoxo da Constituição de 1891, porém, reafirmou a não intervenção do Estado no mercado e nas relações de trabalho entre trabalhadores e patrões era visa como prejudicial e atentatória à livre circulação de mercadorias, mais específicamente à compra e venda da força de trabalho.
Por isso, a legislação trabalhista praticamente inexistia. Em última análise, as questões trabalhistas caíam na jurisdição do Código Penal, daí a afirmação repetida de que a questão social na Primeira República não passava de um caso de polícia.
A política do Estado brasileiro sofreu as modificações a partir de 1919, face aos problemas nas relações de trabalho. Essas mudanças resultaram, em primeiro lugar, do crescimento e das pressões dos movimentos grevistas que ocorreram com grande intensidade entre 1917 e 1919; e, em segundo, do fato de o Brasil ser signatário do Tratado de Versalhes, que exigia a adoção de medidas legislativa no que diz respeito às relações de trabalho.
Em função dessas mudanças foram feitas diversas leis trabalhistas. Em 1919, a lei de amparo aos acidentados de trabalho e, em 1923, a lei criando a caixa de aposentadoria e pensões para os ferroviários, que estabelecia um fundo com a contribuição dos trabalhadores, que poderiam utiliza-lo em casos de assistência médica ou de aposentadorias e pensões para herdeiros, além de fixar que após 10 anos de trabalho a demissão só poderia ocorrer em caso de falta grave comprovada em inquérito administrativo.
Em 1926, esses mesmos direitos foram estendidos aos empregados das empresas de navegação e marítima ou fluvial e às de exploração de portos.
Em 1925, é estabelecido o direito de 15 dias de férias anuais aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, e, em 1927, são consolidadas as leis de assistência e proteção ao menor, estabelecendo a proibição do trabalho dos menos de 12 anos.
Paralelamente foi criado, em 1923, o Conselho nacional do Trabalho, “orgão consultivo dos poderes públicos em assuntos referentes à organização do trabalho e previdência social.
Artur Bernardes, então presidente da república, dizia
“Caberá ao CNT, examinar, mediante métodicos inquéritos e cuidadosas investigações, as condições de trabalho no Brasil, sem suas principais particularidades, recolhendo e coordenando elementos que habilitem os poderes públicos a incorporar à nossa legislação as reformas e medidas mais convenientes e oportunas”.

Em 1928, o Conselho Nacional do Trabalho ganhou uma importância ainda maior quando foi transformado de orgão consultivo para orgão com funções executivas. Em 1926, as mudanças feitas na Constituição alteraram o papel do Estado face às relações de trabalho, dando competência ao Congresso Nacional para “legislar sobre o trabalho”.
Nesse contexto histórico, onde o Estado intervém sempre para proteger os interesses do capital, de ausência de salários mínimos legais e direitos trabalhistas básicos, existia uma dura disciplina nas fábricas, com castigos corporais e rítmos de trbalho exaustivos para compensar a precariedade da indústria e para prevenir contra revoltas e insurreições.
Para o Estado oligárquico, reprimir os movimentos grevistas é também evitar maiores desordens sociais. A questão social é uma questão de polícia.
Nas décadas de 1910 e 1920 se multiplicam as greves e, evidentemente, as repressões às lideranças que as mobilizam, notadamente os sindicalistas anarquistas, comunistas e socialistas. Aumenta a chegada de estrangeiros, que se misturam com os nativos, poliltizando e elevando o nível de consciência e identidade de classe de suas reivindicações.
A Polícia trata de, com base na força, desmantelar os sindicatos e o governo busca acelerar a criação de leis mais rígidas que expulsem os elementos estrangeiros presente nos movimentos e lutas operárias, tido como baderneiros, insufladores da desordem, inimigos do progresso e da pátria.
Os anarquistas terão a liderança desse processo de lutas até em torno de 1920, quando serão gradativamente sendo superados pelos comunistas, por influência da Revolução Bolchevique, dirigida pelo Partido Comunista da Rússia (que tinha o nome de PSDOR – Partido Social Democrata e Operário Russo.), que começava a iluminar as lutas operárias na Europa e na América. A consequência maior dessa influência é a criação do PCB, em 1922. Muitos anarquistas representativos, tais como Astrogildo Pereira, vão se converter ao comunismo e ao Partido Comunista, iniciando um novo e importante processo de organização do movimento operário brasileiros e de ampliação e consolidação da classe operária como sujeito histórico e político nos anos das décadas de 1920 e adiante.


























BIBLIOGRAFIA

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· BADARO. Marcelo. Novos e Velhos Sindicalismo no Brasil. Tese de Doutorado/História-UFF, Rio de Janeiro, Texto Impresso, 1998.
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· FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs). O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo oligárquico, volume 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
· LEONARDI, Victor Paes. Efeitos Sociais da Primeira Industrialização no Brasil. In: ”História do Século XX”. São Paulo, Abril Cultural, 1991.
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· MOLINA. Helder. Breve História das Lutas e Concepções Políticas dos Trabalhadores no Brasil. Texto para Curso de Formação Sindical, Rio de Janeiro, Sindpd/RJ, 1999.
· MOLINA. Helder. Transição do Sistema Escravista para o Capitalismo Industrial no Brasil. Rio de Janeiro, Programa Integração-CUT, 2001.
· RODRIGUES, Edgar. Alvorada Operária. Rio de Janeiro, Mundo Livre, 1979.
· SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. São Paulo. Domínius, 1986.


A TRANSIÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO PARA O TRABALHO LIVRE E ASSALARIADO NO BRASIL:


UM BREVE ESTUDO SOBRE O ESTADO OLIGÁRQUICO, NASCIMENTO DAS FÁBRICAS E SURGIMENTO DA CLASSE OPERÁRIA NO BRASIL

HELDER MOLINA


Rio de Janeiro
Maio de 2005


1) – INTRODUÇÃO:

Este texto, produzido para a disciplina Brasil República, na Pós Graduação em História do Brasil, da Universidade Cândido Mendes, tem por objetivo analisar o processo de transição de transição do trabalho escravo para o regime de trabalho livre e assalariado no Brasil, no contexto das mudanças sócio econômicas verificados no final do século XIX e início do século XX, com a abolição formal da escravidão, a crise do Império e o nascimento do Estado Republicano oligárguico e do capitalismo industrial em nosso país.
Nesse contexto, se definem os projetos de República, com papel dirigente destinado às oligarquias cafeeiras, marcadas por intensas lutas de resistências e mesmo de insurreições populares, e em que entram em cena os operários e os outros trabalhadores urbanos, desempenhando papéis preponderantes nos rumos políticos da nação que ora se afirmava.
Dado os limites deste trabalho, enfocaremos um dos cenários dessa transição, essencialmente no mundo do trabalho, nos primeiros anos de afirmação da classe operária, nas suas adversas condições concretas de sobrevivência, seu crescimento e abrangência num ambiente de exclusão social, sua situação social e política, a luta pelos direitos trabalhistas e os primeiros passos do que seria o surgimento do Movimento Sindical Brasileiro.
Por uma opção metodológica e por ausência de espaço, e dado a complexidade das análises que teríamos que empreender, não estudaremos o movimento sindical surgido a partir das experiências desenvolvidas pelos Anarquistas, Comunistas e Socialistas, correntes políticas e ideológicas do movimento operário e sindical internacional , que influenciaram decisivamente no surgimento do movimento operário organizado no Brasil, que tem seu auge na formação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922.
Estudar história é necessariamente fazer escolhas, excluir abordagens, definir prioridades, delimitar recortes. Os objetos de estudos - os fatos históricos – nos são colocados à interpretação, mobilizados pela ideologia e pela intencionalidade do autor, sempre de formas multidimensionais, se expressam sempre em possibilidades multifacetadas, diferentes enfoques. Fizemos uma escolha.
Nosso breve estudo remonta o período de 1870 a 1920, um período de quatro décadas onde a industrialização e a urbanização dos seus primeiros passos, tendo no trabalhador um dos sujeitos históricos fundamentais, na rica experiência produzida a partir do encontro entre os negros recém liberados do regime de cativeiro e os operários vindos da Europa para o trabalho na indústria.
Utilizamos fontes secundárias, a partir de um revisão de algumas literaturas, portanto bibliográfico, tanto do campo da História quanto da Sociologia, especialmente os trabalhos feitos por estudiosos do sindicalismo, sobre o tema e o contexto histórico aqui delimitado.


2) – DA ESCRAVIDÃO AO TRABALHO LIVRE: O NASCIMENTO DAS FÁBRICAS.


Ainda permanecem vivas e atuais as palavras ditas por Marx e Engels no Manifesto Comunista, reproduzidas pelos participantes do I Congresso Socialista Brasileiro, em 1892, no Manifesto aos Proletários, no primeiro parágrafo
“A história das sociedades humanas, dcsde que se constituíram e onde quer que envolvessem, é a história mesma da luta de classes; e desse pugnar incessante resultou, com o decorrer dos tempos, a eliminação de algumas dessas classes, podendo-se atualmente considerar que somente duas permaneceram extremadas em campos adversos, inconciliáveis em seus interesses: Tais são a classe burguesa e a classe dos assalariados”.

Segundo Antunes (1991), a origem da classe operária brasileira remonta aos últimos anos do século XIX e está vinculada ao processo de transformação na nossa economia, cujo centro agrário exportador cafeeiro ainda predominante. Porém, ao criar o trabalho assalariado em substituição ao escravo, ao transferir parte de seus lucros para as atividades industriais e ao propiciar a constituição de um amplo mercado interno, a economia exportadora criou, num primeiro momento, as bases necessárias para a constituição do capital industrial no Brasil.
E com isso criou também os primeiro núcleos operários, instalados, fundamentalmente, na região de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi no bojo desse processo que surgiram as primeiras lutas operárias no Brasil
Em meados do século XIX no Brasil, o mundo do trabalho era basicamente constituído por escravos e por pequenos lavradores que trabalhavam no campo e cultivavam a terra para seu sustento. Nas cidades os trabalhadores livres eram artesões, que trabalhavam em pequenas oficinas onde faziam o seu trabalho. Havia também a presença de um contingente de comerciantes e funcionários públicos.
A força de trabalho imigrante torna-se a alternativa para os fazendeiros, estes passaram a contratar, de outros países, os trabalhadores livres que estivessem dispostos ao assalariamento.
Isso trouxe uma grande vantagem para os fazendeiros, eles não precisavam mais comprar escravos. Além disso, os salários eram baixos e, como o fazendeiro cedia um pedaço de terra para o imigrante plantar, eles mesmo tratavam de produzir alimentos para sua sustentação e de sua família.
Os trabalhadores assalariados, que não eram obrigados a trabalhar à força como escravos, produziam mais por que ganhavam por produção. Assim, o capital que os fazendeiros investiam na compra e manutenção de escravos, poderia ser economizado ou transferido para investimentos em máquinas, estradas de ferro ou na indústria.
O fim a abolição formal da escravidão, em 1888, e a contratação de milhares de trabalhadores europeus livres assalariados para trabalhar nas atividades ligadas ao café e açucar, propiciou o surgimento de um grande número de pessoas que podiam comprar os produtos industrializados e outras mercadorias. Criava-se assim o mercado consumidor, um dos motivos de ser do capitalismo industrial e do liberalismo econômico, em voga na Europa, e que fundamentou, a partir da Inglaterra, a necessidade de encerrar o regime escravocrata existente desde meados do século XVI no Brasil.
Para criar uma indústria eram preciso existir capital para investir na produção e um grande número de trabalhadores dispostos a vender força de trabalho. Era preciso encontrar um grande contingente de trabalhadores que não tivessem outra forma de ganhar a vida, a não ser trabalhando em troca de salário. Essas pessoas existiam e eram os antigos escravos que deixavam as fazendas e os imigrantes, que chagavam ao Brasil em grande número, em busca de trabalho e de melhores condições de vida.
Os trabalhadores recém libertos da escravidão não possuiam habilidades técnicas para o trabalho fabril . Os operários imigrantes tinham experiência do trabalho industrial e da cultura operária e sindical. Desse encontro vai nascer a classe operária, o proletariado brasileiro.
Com o nascimento das fábricas, o trabalho assalariado se tornou uma forma comum de trabalho no Brasil. Com o trabalho assalariado, o trabalhador. Uma parte do capital para o investimento na indústria veio, como veremos adiante, dos lucros acumulados pelos produtores e comercializadores de café. Outra parte veio das empresas e bancos estrangeiros que, ou emprestavam dinheiro a juros, ou aplicavam eles mesmos diretamente na formação das fábricas.
Os capitalistas estrangeiros investiram na indústria brasileira por duas razões, a primeira era que seus lucros haviam crescido muito e eles precisavam arrumar outros negócios e novos países para investir seu dinheiro. A segunda razão é que era mais lucrativo investir no Brasil, por causa da abundância em matérias primas (algodão para a indústria textil, por exemplo) que podiam ser transformadas em manufaturas.
Os custos seriam bem menores em montar as fábricas aqui do que transportar essas matérias primas para a Europa. Além disso, os trabalhadores da Europa tinham sindicatos fortes que exigiam melhores salários, férias e outros direitos trabalhistas.
Até o final do século XIX, os sindicatos praticamente não existiam, os salários extremamente baixos, ausência dos direitos trabalhistas mais elementares. Tudo isso diminuia os custos com a produção, aumentando ainda mais os lucros dos capitalistas.


3) – A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA URBANA.

A formação do proletariado no Brasil teve início na segunda metade do século XIX, em função do nascimento da indústria, que, por sua vez, foi parte de um processo de profundas transformações por que passava a sociedade brasileira naquele momento, devido, principalmente, ao desenvolvimento da economia cafeeira no Rio de Janeiro, sul de Minas Gerais e São Paulo.
Junto e em função da produção de café aparecem as ferrovias, multiplica-se o número de bancos, desenvolve-se o comércio, introduz-se o trabalho imigrante, instalavam-se as indústrias, crescem as cidades e surgem novas categorias e classes sociais.
Progressivamente, as ferrovias substituem os animais de carga, os barcos à vela são substituidos pelos a vapor, é implantado o telégrafo, etc. Tudo isto torna a circulação de mercadorias muito mais rápida e barata.
Em determinadas regiões, inicia-se um processo de modernização da agricultura, principalmente na região açucareira do Nordeste, com a substituição do engenho pela usina, e nas fazendas de café do oeste paulista, com a introdução de novas técnicas de beneficiamento do produto com o trabalho livre do imigrante.
A urbanização crescente faz com as cidades aumentem em tamanho9 e número. Desenvolve-se o capital comercial e financeiro, com a fundação de casas importadoras, bancos, etc.. Começam a ser instalados novas indústrias – que em 1850 eram em número de 72, produzindo tecidos de algodão, bebidas, cigarros, velas, chapéus e outros bens.
Algumas fundições e até mesmo um estaleiro fazem sua aparição. Apesar de pequenas e de utilizarem pouca energia mecânica, a partir daí tais indústrias multiplicam-se e modernizam-se.
Aos poucos, esse processo não só abalou profundamente o sistema de trabalho escravo como também foi responsável direto pela sua destruição até o final do século e por sua substituição gradual pelo trabalho livre do imigrante europeu, que passou a entrar cada vez em maior número no país, como pode ser visto pelo quadro abaixo

Período
Número de imigrantes
1851-60
1861-1870
1871-80
1881-90
1891-1900
1901-10
1911-20
1921-30
121.000
97.000
219.000
530.000
1.129.000
671.000
717.000
840.000

Esses imigrante eram em sua maioria italianos, portugueses, espanhóis e alemães. Apesar de, no início, serem instalados nas fazendas de café, com o tempo forma também morar e trabalhar nas cidades, dedicando-se ao comércio , artesanato ou atividades industriais, como patrões ou como operários. Fundaram várias indústrias de tecidos, massas, chapéus, calçados e outras.
Alguns ganharam destaquem como os Matarazzo, Ramenzoni, Scarpa, Giovani, Bricola e Jafet. No entanto, a grande maioria acabou engrossando as fileiras do proletariado nas indústrias e nas fazendas de café. E, 1901, 90% dos operários das fábricas de São Paulo eram europeus, principalmente italianos; em 1913 essa proporção era de 82%; em 1920 era de 40%.
A partir de 1880, esse processo ganhou impulso com a aceleração do desenvolvimento industrial, devido9, em parte, ao crescimento da economia cafeeira e ao alto afluxo de capital internacional. Assim é que entre 1880 e 1884 foram criadas 150 indústrias e nos cinco anos seguintes mais 284, fazendo com que em 1889 existissem 636 estabelecimentos industriai, com 54.159 operários; aumentando, em 1907, para 3.410, com 156.250 operários; e 13.336 em 1920, com um total de 275.512 operários.
A maior parte dos estabelecimentos industriais foi criada ou financiada com capital de firma importadoras estrangeiras e, principalmente, com o capital proveniente do café.
Segundo Edgar Carone
“Foi o capital cafeeiro que promoveu essa primeira expansão industrial, tanto de forma direta como indireta. Fazendeiros e comerciantes de importação investiam seus lucros diretamente em industrias ou indiretamente quando seus ganhos transitavam pelo sistema bancário ou por qualquer forma de intermediação financeira de capital”( 1988)

Apesar do papel hegemônico que o capital acumulado pela economia cafeeira exerceu n esse contexto, garantindo financiamento à indústria nascente, não se pode deduzir que as relações entre o capital cafeeiro e a expansão industrial se dessem num só sentido ou numa só direção.
Carone (1988) analisa que
“Foi nesse período de auge da acumulação cafeeira, quando os lucros estavam muito acima das possibilidades de inversão no setor, em que o capital cafeeira desloca-se para a indústria. E é nos períodos de auge do café que a capacidade produtiva das indústrias cresce, dada a possibilidade de importação de máquinas e equipamentos necessários. Porém,, em certos períodos de baixa do café, apesar da redução da capacidade de importar, a produção industrial crescia através da absorção da capacidade ociosa. Se as desvalorizações cambiais realizadas com intuito de segurar os preços internos do café provocavam o aumento dos preços de importação dos bens de produção, aumentavam os preços dos produtos industriais importados e as isenções tarifáricas beneficiavam as importações dos bens de produção. Além disso, a própria redução da capacidade para importar e a elevação da rentabilidade industrial levavam os importadores a investir seus lucros do comércio em atividades industriais.

O desenvolvimento da indústria no Brasil não atravessou um processo longo e linear de evolução do artesanato e da manufatura, mas ocorreu através da implantação da grande industria mecanizada.
A produção se restringiu nesse primeiro momento, aos bens de consumo não duráveis, como tecidos, alimentos, etc., e se situou principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Por essa razão, a classe operária se concentrou em determinadas regiões do país em que existiam indústrias grandes para a época, facilitando sua organização e suas lutas.
Em 1919, a concentração regional da indústria brasileira pode ser medida pelo valor bruto da produção por estado, com São Paulo detendo 31,5%; Distrito Federal e Rio de Janeiro, 28,2%; Rio Grande do Sul, 11,1%; Pernambuco, 6,8%; Minas gerais, 5,6%; Paraná, 3,2%: Bahia, 2,8%; Bahia, 2,8%, Santa Catarina, 1,9%; Região Norte, 1,3%; Goias e Mato Grosso, 0,43%.
Leonardi (1991) aponta os números dessas desigual distribuição geográfica, que corresponde também uma desequilibrada concentração operária. Em 1910, entre 91 estabelecimentos recenseados na capital de São Paulo, 50% destes empregam de 50 a 229 operários; sete possuem de 300 a 399 empregados; dois de 4000 a 499; dois de 600; e um com cerca de 800.
Ainda baseado em Leonardi (1991), em 1910, em 24 tecelagens temos 307 operários por unidade; em 1918, uma só tecelagem ocupa mais de 2000 operários, em tr6es turnos. Pelo recenseamento de 1920, o número de tecelões em São Paulo é de 300 por fábrica; em 1930, com a multiplicação de tecelagens, a média para 250. A Bahia é um exemplo de estado que possui pequeno número de indústria com grande concentração operárias. Em 1910 existem sete fábricas de tecidos com 5.230 operários, o que dá a média de 744; em 1920, em nove fábricas, temos 7.220 trabalhadores, com a média de 802. Na fábrica de charutos da Costa trabalham 1.300 operários.
Isso, porém, não significa que inexistissem pequenas indústrias ou penas oficinas artesanais de fundo de quintal. Ao contrário, elas constituiam numericamente a maioria.
Segundo Azis (1989)
“É incalculável o número de tendas, de sapatarias, mercearias, fábricas de massas, graxas, óleos, de tintas de escrever, fundições, tinturarias, fábricas de calçados, manufaturas de roupas que funcionam em estalagens, em fundos de armazéns, isto é, em lugares que o público nào vê.”

A classe operária era numericamente pequena em relação à sociedade brasileira naquele período histórico, quando a maioria dos trabalhadores vivia sob relações de produção não capitalistas. O contingente operário, mesmo nas grandes cidades, era comparativamente menor que o conjunto dos trabalhadores. Com o tempo, a classe foi crescendo e ganhando contornos mais nítidos, multiplicando-se em número de operários e categorias profissionais.
Esse processo de transformações, que teve como centro a economia cafeeira e a implantação da indústria, resultou no surgimento e desenvolvimento de novas categorias e classes sociais.
Fausto (1979) afirma que o fato mais importante, nesse sentido, foi o aparecimento, nos centros urbanos, de uma classe empresarial (burguesia urbana), industriais, comerciantes, banqueiros, acionistas de estradas de ferro, etc., empregados no comércio, ferroviários, bancários e outros.
Também cresceu a classe média; pequenos comerciantes, vendeiros taverneiros, padeiros, artesões de várias atividades, os funcionários públicos, particularmente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife. Nos campos, na zona cafeeira, com imigração estrangeira , aumentando enormemente o semi proletariado rural ( os colonos); na zona açucareira do Nordeste, com os engenhos centrais, tem início a penetração do proletariado; na região Sul, com a colonização realizada, surgiu e difundiu-se a pequena propriedade agrícola, dando nascimento também aos artesões.
à medida que esse processo de transformação avançou e a indústria foi sendo implantada, surgiram duas classes sociais – a burguesia e a classe operária, ou proletariado, como eram identificados os trabalhadores urbanos naquele contexto.
Com interesses contraditórios e mesmo antagônicos entre si. A primeira, formada por industriais, banqueiros, comerciantes, etc., proprietários das máquinas, capital, matérias-primas, enfim, dos meios de produção, subsistiu e se desenvolveu com base na exploração de mais-valia da força de trabalho.
A segunda, constituida por operários fabris, ferroviários, portuários, etc., encontrava-se expropriada dos meios de produção e dispondo, para sobreviver, apenas de força de trabalho que se via obrigada a vende no mercado para o capitalista em troca de um salário.

III – AS CONDIÇÕES MATERIAIS, SOCIAIS E POLÍTICAS DE EXISTÊNCIA DOS TRABALHADORES.

As condições de vida e trabalho dos primeiro operários brasileiros eram difíceis. A jornada de trabalho, em muitos casos, chegava-se a 12, 14 e até 15 horas por dia e os trabalhadores não tinham direito ao descanso semanal remunerado, a domingos, a feriados ou a férias anuais.
Carone (1988) afirma que os horários, até 1930, dependem da vontade e das necessidade patronais. Não havia dias de descanso, somente se respeitavam feriados restritos e de muita importância, como o da Paixão e do Natal, datas símbolos da religião cristã.
Não existiam, muitas vezes, contratos de trabalho. Os operários eram admitidos e demitidos verbalmente se sem qualquer tipo de indenização. em caso de atraso de pagamento, os operários não contavam com nenhum recurso jurídico contra seus patrões.
Os capitalistas não tinham qualquer obrigação cm caso de doença do trabalhador, mesmo em se tratando de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais.
Para Leonardi (1991), acidentes de trabalho e doenças profissionais eram comuns na época, dado o enorme grau de insalubridade, periculosdade e péssimas condições de higiene nos ambientes de trabalho, doenças como tuberculose, pneumonia, e acidentes que causavam perdas de dedos, mãos e até mortes nas engrenagens e serras, nos locais de trabalho.
Segundo Rodrigues (1979), o depoimento de um operário sapateiro ilustra bem esta situação
“Não tínhamos seguro de acidentes, nem assistência médica de nenhuma espécie. quando alguém ficava doente ou se acidentava. Quando alguém ficava doente ou se acidentava, era socorrido por meio de listas, de subscrições, de peditórios, de esmola, melhor dito. Forma de solidariedade humana então comum entre os trabalhadores”.

Inexistia o contrato de trabalho com garantias legais, sendo a admissão e a retirada do operário atos resolvidos oralmente, mesmo sem aviso prévio e nenhuma indenização ao trabalhador dispensado, qualquer que fosse o motivo e o tempo de prestação de serviço ao estabelecimento.
A disciplina e a coerção no interior das fábricas eram bastante rigorosas, visando a garantia do máximo de rendimento de mão-de-obra. Os operários estavam sujeitos a multas, castigos corporais, ameaças e outros tipos de coação.
Segundo Rodrigues (1979), o depoimento de um operário mostra que “cada fábrica tinha um aspecto fosco e hostil de presídio, com seus guardas de portão fardados e armados, operários e operárias submetidas a vexatórias revistas e humilhantes observações, quando não recebiam ameaças de toda sorte.
O depoimento de um outro operário, um tecelão assinala que ele presenciou “várias e várias vezes, a aplicação de multas e outros castigos aos operários e operárias, quando cometiam enganos . Porém nada adiantava a indignação”. E acrescenta, “tinhamos mesmo que pagar o fio estragado e ainda perdíamos a mão-de-obra quando, involuntariamente, qualquer erro natural do trabalho nos responsabilizava.
Junto com as péssima condições de trabalho, a classe operária suportava o precário nível de vida, devido aos baixos salários, ao desemprego, ao custo de vida alto e aos aluguéis caros, o que trazia, como consequência, a subnutrição e as doenças.
A remuneração da mão-de-obra era estipulada, dentro da conjuntura do mercado de trabalho, segundo os cálculos de cada um empregador ou empregadores de cada setor econômico.
Ainda segundo Rodrigues (1979), um observador diz que, na época, o
“o exíguo grupo capitalista aglutinado em oligarquia patronal, que se havia abalançado à criação de fábricas geralmente de tecelagem e metalurgia, estabelecera seus cálculos sobre uma base salarial baixíssima, salário de escravo, exploração brutal do braço humilde que se encontrava em abundância no país, gente de pés descalços e alimentação parca – um punhado de farinha de mandioca, feijão, arroz, carne seca -, artigos alimentares baratos e abundantes no mercado; café adoçado com mascavo e um pouco de farinha, pois pão era artigo de luxo, bem como o leite, a carne, os condimentos e os legumes, estes últimos desconhecidos nas casas dos trabalhadores. E quanto à moradia, estava confinada a barracões em fundo de quintal, em porões insalubres, em casebres geminados (cortiços).

O Jornal “A Plebe” de agosto de 1902, “as casas eram infectas, as ruas, na quase totalidade, não são calçadas, há falta de água para os mais necessários místeres, escassez de luz e esgotos”.
Nas primeiras décadas deste século, as habitações operárias concentravam-se, geralmente, nas proximidades das fábricas, em bairros como Brás, Moóca, Belenzinho, Pari, Bexiga, Lapa, Água Branca, Cambuci, Ipiranga e Vila Prudente, em São Paulo. Bangú, Gamboa, São Cristóvão, Gávea, Tijuca, No Rio de Janeiro. Jaboatão e São José, No Recife.
Neles, predominavam cortiços e casas minúsculas em terrenos insalubres. Alguns empresários, como Jorge Street, Por exemplo, construíram vilas operárias, entre elas, a de Maria Zélia, em São Paulo. Embora confortáveis que os cortiços, isolavam-se os operários de outros setores da classe e os mantinham sob controle social e ideológico da empresa.
Os baixos salários, insuficientes para sustentar uma família operária, forçaram a entrada de mulheres e crianças no mercado de trabalho, onde passaram a representar uma parte significativa na composição da força de trabalho, principalmente dos setores têxtil, de vestuário ealguns outros.
Isso implicou um rebaixamento ainda maior dos salários e aumento do desemprego entre os trabalhadores adultos do sexo masculino; consequentemente, facilitou a superexploração da mão-de-obra proletária pela burguesia.
O jornal operário “A Plebe”, noticiou, em 1919, que os donos de uma tecelagem
“despediram ontem, sem mais nem menos, 17 operários, todos eles já antigos na casa. Procurando saber os motivos de tal gesto, as vítimas puderam averiguar que eles pretendem arranjar menores para fazerem o serviço, porque as crianças são exploradas mais facilmente e contentavam-se com a pequena remuneração”. (Simão, 1976).

Em 1901, um relatório oficial apontou que um grande número de meninos de 09 a 11 anos trabalhava durante o dia e a noite nas indústrias, aparecendo até mesmo casos de crianças de 05 anos que vendiam sua força de trabalho.
Ainda segundo “A Plebe” citado no trabalho de Simão (1976) s mulheres nesse ano representavam 33% da força de trabalho em São Paulo.
Em 1912, ainda segundo essa mesma fonte, dos 10.204 operários de 31 fábricas têxteis de São Paulo, 67% eram mulheres e em grande parte menores. Segundo Carone (1988)
“na indústria metalúrgica ou mecânica, o número de menores também era predominante, sendo que aqui o sexo aceito era o masculin. Com exceção de um reduzidíssimo número de técnicos (mecânicos, ferramenteiros, moldadores, fundidores) o restante era constituido de carvoeiros, alimentadores de fornalhas, fazendo serviços quase suicidas pelas bronquites, pneumonias, reumatismo que iam contraindo. Os menores (em que se contavam rapazinho de 08 anos) eram empregados em serviços pesados, alguns incompatíveis com sua idade e constituição física.”(1988).


Uma das principais lutas do movimento operário brasileiro era contra a utilização indiscriminada de mão-de-obra infantil nas industrias, como assinalou, em 1917, um artigo do jornal O Estado de São Paulo,
por ocasião do recente movimento grevista uma das reclamações mais insistentes dos operários era contra a exploração dos menores nas fábricas. Aliás não faziam mais que exigir o cumprimento das leis existentes. Entretanto, os industriais, à exceção da firma X – que conta com a inimizade do inspetor sanitário – continuam a empregar menores em trabalhos impróprios. Entre eles, podemos citar nominalmente o sr. Y porque assistimos ontem à entrada de cerca de 60 pequenos às 19 horas na sua fábrica na Moóca. Essas crianças, entrando àquela hora, saem às 06 horas. Trabalhava, pois, 11 horas a fio, em serviço noturno, apenas com um descanso de 20 minutos, à meia-noite. O pior é elas se queixam de são espancadas pelo mestre de fiação. Muitas nos mostraram equimoses nos braços e nas costas. Algumas apresentam mesmo ferimentos produzidos com uma manivela. Uma há com as orelhas feridos por continuados violentos puxões. Trata-se de crianças de 12, 13 e 14 anos.



Contra as difíceis condições de vida e de trabalho, a classe operária começou a se organizar e luta pela melhoria de sua situação. As principais reivindicações eram, diminuição da jornada de trabalho para 08 horas, ão da jornada de trabalho para 08 horas, repouso semanal, regulamentação do trabalho da mulher e do menor e aumento salarial. Algumas dessas reivindicações foram conquistada, como, por exemplo, ocorreu com o decreto de janeiro de 1891,que regulamentava o trabalho de menores.
O liberalismo ortodoxo da Constituição de 1891, porém, reafirmou a não intervenção do Estado no mercado e nas relações de trabalho entre trabalhadores e patrões era visa como prejudicial e atentatória à livre circulação de mercadorias, mais específicamente à compra e venda da força de trabalho.
Por isso, a legislação trabalhista praticamente inexistia. Em última análise, as questões trabalhistas caíam na jurisdição do Código Penal, daí a afirmação repetida de que a questão social na Primeira República não passava de um caso de polícia.
A política do Estado brasileiro sofreu as modificações a partir de 1919, face aos problemas nas relações de trabalho. Essas mudanças resultaram, em primeiro lugar, do crescimento e das pressões dos movimentos grevistas que ocorreram com grande intensidade entre 1917 e 1919; e, em segundo, do fato de o Brasil ser signatário do Tratado de Versalhes, que exigia a adoção de medidas legislativa no que diz respeito às relações de trabalho.
Em função dessas mudanças foram feitas diversas leis trabalhistas. Em 1919, a lei de amparo aos acidentados de trabalho e, em 1923, a lei criando a caixa de aposentadoria e pensões para os ferroviários, que estabelecia um fundo com a contribuição dos trabalhadores, que poderiam utiliza-lo em casos de assistência médica ou de aposentadorias e pensões para herdeiros, além de fixar que após 10 anos de trabalho a demissão só poderia ocorrer em caso de falta grave comprovada em inquérito administrativo.
Em 1926, esses mesmos direitos foram estendidos aos empregados das empresas de navegação e marítima ou fluvial e às de exploração de portos.
Em 1925, é estabelecido o direito de 15 dias de férias anuais aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, e, em 1927, são consolidadas as leis de assistência e proteção ao menor, estabelecendo a proibição do trabalho dos menos de 12 anos.
Paralelamente foi criado, em 1923, o Conselho nacional do Trabalho, “orgão consultivo dos poderes públicos em assuntos referentes à organização do trabalho e previdência social.
Artur Bernardes, então presidente da república, dizia
“Caberá ao CNT, examinar, mediante métodicos inquéritos e cuidadosas investigações, as condições de trabalho no Brasil, sem suas principais particularidades, recolhendo e coordenando elementos que habilitem os poderes públicos a incorporar à nossa legislação as reformas e medidas mais convenientes e oportunas”.

Em 1928, o Conselho Nacional do Trabalho ganhou uma importância ainda maior quando foi transformado de orgão consultivo para orgão com funções executivas. Em 1926, as mudanças feitas na Constituição alteraram o papel do Estado face às relações de trabalho, dando competência ao Congresso Nacional para “legislar sobre o trabalho”.
Nesse contexto histórico, onde o Estado intervém sempre para proteger os interesses do capital, de ausência de salários mínimos legais e direitos trabalhistas básicos, existia uma dura disciplina nas fábricas, com castigos corporais e rítmos de trbalho exaustivos para compensar a precariedade da indústria e para prevenir contra revoltas e insurreições.
Para o Estado oligárquico, reprimir os movimentos grevistas é também evitar maiores desordens sociais. A questão social é uma questão de polícia.
Nas décadas de 1910 e 1920 se multiplicam as greves e, evidentemente, as repressões às lideranças que as mobilizam, notadamente os sindicalistas anarquistas, comunistas e socialistas. Aumenta a chegada de estrangeiros, que se misturam com os nativos, poliltizando e elevando o nível de consciência e identidade de classe de suas reivindicações.
A Polícia trata de, com base na força, desmantelar os sindicatos e o governo busca acelerar a criação de leis mais rígidas que expulsem os elementos estrangeiros presente nos movimentos e lutas operárias, tido como baderneiros, insufladores da desordem, inimigos do progresso e da pátria.
Os anarquistas terão a liderança desse processo de lutas até em torno de 1920, quando serão gradativamente sendo superados pelos comunistas, por influência da Revolução Bolchevique, dirigida pelo Partido Comunista da Rússia (que tinha o nome de PSDOR – Partido Social Democrata e Operário Russo.), que começava a iluminar as lutas operárias na Europa e na América. A consequência maior dessa influência é a criação do PCB, em 1922. Muitos anarquistas representativos, tais como Astrogildo Pereira, vão se converter ao comunismo e ao Partido Comunista, iniciando um novo e importante processo de organização do movimento operário brasileiros e de ampliação e consolidação da classe operária como sujeito histórico e político nos anos das décadas de 1920 e adiante.


























BIBLIOGRAFIA

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HISTÓRIA DO SINDICALISMO NO BRASIL - DA ESCRAVIDÃO AO SEC XXI

AS LUTAS DOS TRABALHADORES
A ORGANIZAÇÃO DOS SINDICATOS E SUA
A PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA
E DOS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL


(Helder Molina – Historiador,
professor da faculdade de Educação da UERJ,
assessor de formação da CUT/RJ e do SINDPD/RJ)

1 - As origens dos sindicatos no Brasil: Da escravidão ao salário


Este artigo analisará o nascimento das idéias e das organizações sindicais no Brasil, desde a virada do século XIX para o XX, período em que se deu a transição do trabalho escravo ao trabalho assalariado – capitalista – no Brasil. Analisaremos o processo de construção dos sindicatos, na República Velha, o sindicalismo no período Vargas, o surgimento do Novo Sindicalismo e os desafios e problemas atuais enfrentados pelo sindicalismo contemporâneo.

História é conhecimento do passado, das nossas raízes, tradições e heranças. O estudo da História possibilita a compreensão do presente e construção de um projeto de futuro. A classe operária, seu surgimento e o próprio conceito, é produto de um processo de formação histórica, no qual é preciso considerar as circunstâncias, a cultura, as tradições. A gestação, nascimento e consolidação da classe operária em dado lugar, se dá a partir de seus interesses concretos, de suas tradições e cultura, de seus valores, das circunstâncias reais.

A classe trabalhadora é produto das contradições geradas pelo capitalismo, da expropriação da força de trabalho do trabalhador, da exploração de classe, da violência física e moral imprimida pelos patrões, para produzir lucros e acumular riquezas. No Brasil, a classe operária, depois as outras classes trabalhadoras, surgiu com o final da escravidão, no período pós 1880, e depois com a abolição da escravatura e o surgimento do trabalho assalariado, em fábricas, em larga escala, no século XX.

O início do século – O predomínio das lideranças anarco-sindicalistas socialistas e comunistas

A influência das experiências européias entre os trabalhadores vieram com a chegada de muitos estrangeiros, que eram trabalhadores qualificados e artesãos. Houve um predomínio dos anarquistas no início do século XX, que foi decisivo para o nascimento do movimento operário organizado no Brasil. Quem eram os anarco-sindicalistas? Eram militantes operários que procuravam (e procuram), a partir das lutas sindicais, derrubar o regime capitalista, o Estado e toda forma de opressão

O pensamento anarquista se origina na Itália, Espanha e França. Eles só reconhecem a autoridade de uma assembléia. Recusam todo poder delegado, toda representação que retire do trabalhador a autonomia de decidir e se auto-organizar. Recusam e combatem toda forma de organização centralizada. Nos sindicatos eles priorizam o trabalho no campo da educação e das atividades culturais, com isso buscam despertar os trabalhadores não somente para a luta por seus interesses específicos, mas para a transformação radical da sociedade. Diferentes dos trabalhadores que visavam apenas a defesa coletiva de seus interesses, contra a exploração do trabalho.

As concepções que fundaram o sindicalismo brasileiro

Em 1908 é criada a Confederação Operária Brasileira (COB) que reunia cerca de 50 associações de classe das principais cidades brasileiras: Rio, São Paulo, Salvador, Recife – as com maior números de operários fabris. Realizam campanhas contra as arbitrariedades policiais, organizam fundos e mobilizações de solidariedade às lutas em outros países, a operários em greve, a operários estrangeiros expulsos. Essas lutas se materializam em atos públicos, passeatas e manifestações. Os anarco-sindicalistas são laicos e anti-religiosos, e combatem a influência do clero nos assuntos políticos e do Estado, principalmente as associações clericais e suas práticas assistencialistas e beneficentes.

Outra concepção importante era a dos comunistas, principalmente após a Revolução Russa de 1917, que influenciou o movimento operário mundial, juntando as idéias de Karl Marx (pensador e militante comunista alemão) às idéias operárias contra o capitalismo. A fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1922, foi o ponto alto da herança comunista e de sua presença no movimento sindical nas primeiras décadas do capitalismo brasileiro.

Os socialistas também foram importantes, pois entendiam que a organização de sindicatos e de greves deviam ser associadas às lutas pela participação eleitoral e parlamentar, para transformar o Estado numa perspectiva de atender aos interesses históricos e imediatos das massas trabalhadoras. Outra corrente importante no início do século foi a dos trabalhistas, que lutavam na defesa dos interesses dos operários, com objetivos de melhorar as condições de vida dos trabalhadores e de conquista e garantia dos direitos.

Os primeiros 30 anos foram de intensas lutas e enfrentamentos. A República no Brasil foi construída desrespeitando e agredindo violentamente o povo trabalhador. As elites escravocratas, que tiveram de fechar as senzalas, transferiram a exploração para o chão da fábrica, continuaram com a mentalidade escra­vista, sem garantir direitos, considerando os trabalhadores simples objetos de produção e instrumentos de lucros.


2 - Era Vargas – Do sindicalismo independente ao sindicalismo tutelado


O período que vai de 1930 a 1945 é conhecido na história brasileira como Era Vargas ou Estado Novo. Uma nova etapa na história do movimento operário, especialmente no que se refere aos sindicatos, com uma crescente integração dos sindicatos ao controle do Estado. Isso se dá mais claramente a partir da criação do Ministério do Trabalho, por Vargas, em novembro de 1930. Em março de 1931 é publicada a Lei da Sindicalização, que tinha como objetivo submeter a atividade sindical ao controle do Estado. A lei proibia, entre outras questões, toda “propaganda ideológica” no sindicato. O Estado, e a política trabalhista desenvolvida por ele, estimula o corporativismo, isto é, que os sindicatos sejam organizados por categoria profissional e não por ramo de atividade econômica.

Em 1932 são promulgadas várias leis sociais e trabalhistas, definindo critérios de aposentadoria, jornada de trabalho de 8 horas e proteção ao trabalho das mulheres. Foram conquistas alcançadas após longos anos de luta dos trabalhadores, sob a direção dos comunistas, anarco-sindicalistas e socialistas-anarquistas. As leis implementadas pelo governo Vargas, na verdade, tinham a intenção de criar uma base social operária para o Estado. Em 1935 ocorre a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e o levante comunista de 1935, com uma repressão brutal da polícia e de outros órgãos do governo sobre o movimento operário. É aí que o Estado Novo empreende uma violenta repressão aos comunistas e a eliminação de quadros operários.

No período 1930-45 dá-se uma profunda mudança na composição da classe operária, devido a seu crescimento de 500%. A ampla maioria dos trabalhadores são de origem rural, fruto da migração do campo para a cidade. Nesse período se consolidam várias garantias sociais com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), salário mínimo, aposentadoria, e estabilidade para operários com mais de 10 anos de serviço. Isso leva a um grande apoio dos trabalhadores a Vargas.

Na CLT se inserem várias vantagens trabalhistas conquistadas pelos sindicatos e que são, então, estendidas para todas as categorias profissionais, independentemente de estarem organizadas. A CLT também garante a tutela do Estado nas negociações entre empregados e empregadores. Sua estrutura se mantém no corporativismo, que impedia que sindicatos de diferentes categorias de uma mesma localidade se articulassem entre si. Impedia-se, assim, a formação de uma grande organização de trabalhadores, na forma de uma central sindical. A estrutura era vertical e subordinada ao Estado, que dirigia o funcionamento da organização sindical nos três planos: desde o sindicato, federação e confederação.

A Constituição de 1937 e a CLT, de 1943, confirmam a Lei de Sindicalização de 1931. Um elemento fundamental da nova estrutura foi o imposto sindical: um dia/ano de salário obrigatoriamente pago por todo operário (sindicalizado ou não). Ainda hoje esse imposto é recolhido pelo Ministério do Trabalho e distribuído aos sindicatos. O imposto permite um controle direto do Estado sobre as finanças e as atividades da entidade; subvenciona serviços sociais (serviços médicos, colônias de férias etc.), convertendo-o assim numa instituição de assistência social. Além de manter uma burocracia sindical política e economicamente vinculada ao Ministério do Trabalho.

O imposto sindical trazia para o Estado e as corporações quantias enormes de recursos financeiros. Dinheiro esse que era proibido para fundos de greve e para propaganda política. Sua destinação específica era cuidar da beneficência e do exercício da função administrativa (posição contrária a dos antigos militantes). Criou-se, assim, uma relação de dependência entre o movimento operário e o Estado.

A estrutura sindical construída no Estado Novo se manteve no pós-guerra. Entre 1945 e 1964, período conhecido como “nacional desenvolvimentista”, em que o Estado se associa ao grande capital internacional para ampliar as bases da industrialização e da expansão ao interior. Um projeto nacional de infra-estrutura para a consolidação do modo de produção capitalista baseado na indústria. Cresce, com isso, a importância da classe operária, principalmente nos grandes centros, tendo o ABC em São Paulo como seu núcleo mais dinâmico.

Os sindicatos continuam subordinados ao poder do Estado. O controle dá-se principalmente pelo imposto sindical, extraído compulsoriamente dos trabalhadores e transformado em recursos financeiros nas mãos dos patrões e dos sindicalistas “pelegos” (termo que se refere àqueles que utilizam a estrutura sindical para “amortecer” a luta de classes, e transforma os aparelhos em “anteparo” dos conflitos, feito um acolchoado no lombo dos cavalos para amaciar o atrito e facilitar a montaria do cavaleiro).

É corrente entre os estudiosos da história política e social brasileira identificar esse período como o da “redemocratização”, pois estamos saindo de um período de ditadura, marcada pela repressão policial, cooptação ou atrelamento do movimento sindical, cassação dos direitos políticos e prisão das lideranças que se alinhavam contra Vargas e o Estado Novo. Essa ditadura teve seu auge nos anos 1937-1945.

Mesmo com a chamada redemocratização, os instrumentos de controle e repressão permaneceram. O movimento sindical, pelo menos nos seus setores majoritários, permaneceu atrelado ao imposto sindical e ideologicamente não se buscou o rompimento dos laços orgânicos que subordinavam os sindicatos ao Estado.

3 - O sindicalismo brasileiro no início da Guerra Fria

Em 1945 os comunistas tentam impulsionar uma ruptura do sindicalismo com o Estado. Essa busca de alternativa se materializa na criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUP). Eles reivindicam uma reforma sindical, nos aspectos mais importantes da estrutura oficial, como o direito de organizar sindicatos independentes da chancela do Ministério do Trabalho, e uma maior autonomia política para suas ações.

Apesar dessa busca de autonomia, os comunistas continuam participando da Frente Democrática Antifascista, no período inicial da “Guerra Fria”, em aliança com os setores ligados ao Varguismo. “Guerra Fria” é a denominação que se dá ao processo de trégua capitaneado pelos EUA e URSS com o fim da Segunda Guerra Mundial, em que se divide o mundo em dois grandes blocos geopolíticos – o bloco comunista, ou o do Leste Europeu, sob liderança da URSS, e o bloco capitalista, na Europa Ocidental e Américas, com hegemonia dos EUA.

Em 1947, o Partido Comunista Brasileiro é colocado na ilegalidade e a repressão aos comunistas volta com toda força. Mesmo assim, ao arrepio da legislação trabalhista e sindical, o movimento sindical busca se organizar de forma autônoma, surgindo vários organizações sindicais independentes, sob forma de plenárias, movimentos horizontais, articulações interestaduais. Criada na década de 1950, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) foi a mais importante. Ela se consolida no início dos anos 1960, já no governo de João Goulart (1961-1964), basicamente formada por sindicatos oficiais e, contraditoriamente, com a participação de sindicalistas de oposição à estrutura oficial.

No contexto nacional-desenvolvimentista, nos anos 1950 até início da década de 1960, o movimento sindical se fortalece. Os sindicatos se transformam em interlocutores importantes dos trabalhadores diante dos patrões e do Estado. Essa influência institucional crescente torna o sindicalismo participante da vida política nacional. Mesmo com esse aumento de influência os sindicatos não conseguiram organizar a maioria, e nem superar a dependência do Estado.


Com a crescente industrialização e a conseqüente urbanização, como produto desta, há um processo de declínio do campesinato e do trabalho no setor agrário da economia. A classe operária e o trabalho nas fábricas assumem um protagonismo que tem como desdobramento a maior influência dos sindicatos operários e urbanos como força política de vanguarda nas lutas e movimentos políticos, principalmente no início dos anos 1960.

Os fenômenos da industrialização e urbanização e expansão para os estados do interior (Centro-Oeste, Norte) fortalece outros grupos e camadas sociais, como as classes médias, os empresários industriais, a burocracia estatal, os militares e segmentos da intelectualidade brasileira. Consolida-se uma sociedade civil diferenciada, urbana e incorporada ao espírito da indústria, do comércio e do consumo. A classe dominante, e as classes médias, como acontece historicamente, se tornam protagonistas dos valores conservadores e individualistas, agora alimentadas pela possibilidade de maior consumo.

No governo de João Goulart há um acirramento dos conflitos de interesses entre esses diferentes grupos. Os embates políticos se aguçam na medida em que o espaço público se alarga. Os sindicatos assumem a ponta desse processo de confrontação, intensificando as lutas salariais e em defesa de direitos trabalhistas, e questionando a cresceste dependência econômica do Estado brasileiro aos capitais externos.

A classe operária, setores do funcionalismo público, como os professores, e os estudantes (o movimento estudantil é, nesse contexto histórico, um importante sujeito político coletivo) intensificam as jornadas de lutas e as exigências por reformas de base, principalmente nos campos da educação, saúde, moradia, emprego e reforma agrária.

Os comunistas, lideranças independentes vinculadas aos setores progressistas da Igreja, e intelectuais nacionalistas assumem abertamente a defesa das reformas, da ampliação das lutas sociais, da ruptura com a dependência econômica e política externas e, por conseqüência, a defesa do governo Goulart. Pressionam o Estado para obter ganhos econômicos, sociais e políticos. A correlação de forças, aparentemente, possibilitava o avanço dos movimentos sociais, e o governo sinalizava favoravelmente nessa direção.

O movimento sindical busca maior autonomia, formando uniões sindicais independentes, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT, mas não confunda com a outra, que era Confederação), fundado em 1962, no auge das lutas operárias e estudantis. Intensifica-se a participação dos sindicatos na vida política nacional. Perigosamente, essa crescente influência não resultou em maior aprofundamento da autonomia, fortalecimento coletivo e formação política dos trabalhadores. Não se constituíram movimentos independentes e desatrelados do Estado, mas sim vinculado aos interesses deste. O apoio de Goulart aos sindicatos, essa aliança do sindicalismo com o Estado, produziu uma ilusão de poder, uma subestimação das reais forças da classe trabalhadora.

Os sindicatos foram estimulados a radicalizar nos discursos e nas ações políticas, indo muito além do que suas próprias forças garantiam. Um sindicalismo de vanguarda, sem a suficiente retaguarda das massas. Não se nega a necessidade e a coerência de se buscar as lutas de massas, as ruas, as reivindicações coletivas como instrumentos essências aos trabalhadores, na busca de seus direitos e na transformação do Estado. O que se questiona é se as direções compreendem a realidade objetiva e a correlação das forças em disputa no terreno da luta de classes. A nosso ver, subestimou-se a capacidade de reação das classes dominantes e dos setores médios urbanos, eivados de conservadorismo e outros valores burgueses.

O fantasma vermelho, a ameaça do comunismo e o medo do barulho das ruas tão largamente vociferados e ardilosamente fermentados pela direita brasileira, não foram devidamente dimensionados pelas forças da esquerda social e política nos anos 1961-1964. Veio o golpe fascista, executado pelos militares, sob patrocínio do grande capital estrangeiro e do governo dos EUA.

Uma lição que mais tarde seria aprendida pelo movimento sindical pós-ditadura militar, que as direções não podem substituir as massas, ao contrário, só o movimento concreto da classe pode garantir conquistas e poder político.

No próximo número de Idéias em Revista analisaremos o sindicalismo e as lutas sindicais sob a ditadura militar. Os anos de chumbo e as alternativas de resistência, tanto política quanto armada, ao horror fascista que se abateu sobre o Brasil, de 1964 a 1984.


“O fantasma vermelho, a ameaça do comunismo e o medo do barulho das ruas tão largamente vociferados e ardilosamente fermentados pela direita brasileira, não foram devidamente dimensionados pelas forças da esquerda social e política nos anos 1961-1964. Veio o golpe fascista, executado pelos militares, sob patrocínio do grande capital estrangeiro e do governo dos EUA.”


4 - Da ditadura militar ao Novo Sindicalismo: o renascimento

Entre 1964 e 1971, a ditadura militar decretou intervenção em 573 sindicatos, federações e confederações sindicais. Policiais e agentes civis do regime se tornaram interventores no movimento sindical. O sindicalismo passou a ser totalmente controlado pelos aparelhos militares. Em 1967, o general Castelo Branco reeditou o “atestado ideológico”, de triste memória do Estado Novo. Por estes atestados, os aparelhos de repressão política controlavam os candidatos aos cargos de direção da estrutura sindical, fazendo um filtro ideológico, vetando os que tivessem qualquer vínculo, ou mesmo suspeita de vínculo, com a oposição ao regime ou alguma relação com as esquerdas.

Após 1965, o movimento sindical praticamente desaparece. Embora continuem existindo, os sindicatos cumprem um papel de prestação de serviços assistenciais, médicos e jurídicos aos seus filiados, funcionando como uma repartição vinculada e controlada pelo Estado, um balcão homologador de rescisões de contratos ou um cartório de ofício burocrático. Não havia mais função política, reivindicatória ou ideológica.

Até a metade da década de 70, a sombra, as botas e a bodurna dominaram a cena política. A estrutura sindical, herdada do Estado Novo, permaneceu intocada. Os empresários e os pelegos (denominação dada aos dirigentes sindicais interventores ou que concordavam e participavam da estrutura sindical estatal militar) mantiveram-na sem alterações. Mudança apenas no final dos anos 70, a partir das mobilizações autônomas e independentes dos trabalhadores, via oposições sindicais, e o início da pressão contra a intervenção e pela liberdade de organização sindical.

O imposto sindical e a dívida externa

Toda a estrutura sindical, sob direção dos pelegos e policiais interventores, sobreviveu durante o regime militar com os recursos financeiros recolhidos pelo imposto sindical criado na Era Vargas. O imposto sindical sustentou os sindicatos oficiais, o empresariado (e suas federações e confederações patronais) e parte do Estado (fascista dos militares). Não houve por parte das direções sindicais qualquer contestação formal ao imposto e à estrutura sindical entre 1964 e 1979. Mesmo no período anterior à ditadura, de 1945 a 1964, em que viveu-se num ambiente relativamente democrático, o movimento sindical pouco fez para superar a estrutura corporativista. A nosso ver o sindicalismo, mesmo o dominado pelos comunistas e trabalhistas, adaptou-se e acomodou-se no corporativismo e no atrelamento ao Estado.

Os militares trataram de implementar uma série de medidas para superar a crise econômica do país e acelerar a expansão capitalista. Por um lado procuraram aumentar a taxa de exploração da força de trabalho para aumentar os lucros das empresas e, por outro, incentivaram um rápido processo de concentração do capital. Os instrumentos usados para garantir o aumento da exploração da força de trabalho foram a política salarial, os sindicatos atrelados e a repressão policial militar direta. Para concentrar capital, a ditadura promoveu fusões e incorporações, favorecendo ao mesmo tempo a instalação de multinacionais e estimulando a associação do grande capital nacional ao capital estrangeiro – daí o fortalecimento dos produtores de bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos). A ditadura encarregou-se de incorporar-nos como economia dependente e subordinada ao capital externo e aos interesses e humores do capitalismo monopolista transnacional.

O crescimento de uma economia dependente, como a brasileira, faz aumentar as necessidades de importações de máquinas, equipamentos, matérias primas, produtos químicos e petróleo. Como as exportações não cresceram na mesma proporção das importações, a tecnoburocracia militar buscou volumosos empréstimos estrangeiros para pagar tais importações, comprometendo grande parcela dos recursos internos do país para pagamento de credores externos. Acontece, nesse período, o aprofundamento da dívida externa e da dependência aos capitais multinacionais ou de governos do capitalismo central.

Como conseqüência, vimos grande parte do setor agrícola voltar-se para plantações extensivas visando a exportação, em detrimento da variedade e do abastecimento interno. Agrava-se, desse modo, a situação dos trabalhadores do campo e da cidade. Em regiões de produção agrícola, como Goiás, Pará e Mato Grosso, explodem conflitos pela posse da terra. Em São Paulo e no Paraná os pequenos proprietários, posseiros e meeiros são reduzidos quase à extinção, produzindo-se uma multidão de bóias frias e o aumento do êxodo rural, com intensa migração do campo para as cidades. Assim incharam as periferias e se acirrou a competição no mercado de trabalho.

Essa abundante força de trabalho disponível no mercado faz com que os capitalistas superexplorem e utilizem da rotatividade para rebaixar os salários e solapar direitos dos trabalhadores. Era o “milagre econômico” que, segundo a propaganda do regime militar, transformaria um Brasil numa potência mundial. Tais políticas provocaram o crescimento das cidades e o surgimento de uma classe média consumidora. Cresceu, também, o número de trabalhadores nas indústrias, no comércio, nos bancos e nos serviços. E, do mesmo modo, avolumou-se o exército de desempregados e subempregados. A burguesia agrária se fortalecia ao passo em que crescia o número de assalariados rurais.

O Novo Sindicalismo

O aumento do número de assalariados, principalmente em São Paulo, Rio e Belo Horizonte, conjugado com as péssimas condições de trabalho e baixos salários, faz com que se generalizem as lutas, principalmente na segunda metade da década de 1970. Eram, contudo, lutas fragmentadas e isoladas. Centenas de greves tinham as mesmas reivindicações, a luta contra o arrocho e a busca de autonomia e liberdade sindical. A vanguarda desse processo está em São Paulo, o pólo mais dinâmico do capitalismo industrial dependente brasileiro, com grande concentração de empresas, principalmente de automóveis, eletrônicos e eletrodomésticos, e onde a classe operária se torna sujeito político importante no processo de construção de um novo projeto sindical e político. No coração do capitalismo pulsa o sangue da classe que tende a enfrentá-lo com vigor e vontade. A luta dos trabalhadores industriais de São Paulo torna-se referência para o país.

Nos anos de 1977, 78 e 79, no auge da política de arrocho e de controle dos sindicatos, são as oposições sindicais que buscam mobilizar a classe. Na região do ABC (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul (incluído D de Diadema) e na capital São Paulo eclodem, de forma crescente e unificadas, fortes mobilizações contra a política salarial e o regime militar. O desejo de desatrelar o sindicato dos patrões e do Estado, o fim do imposto sindical e a construção de uma nova estrutura sindical, de combate, de classe, de luta, surgida da base, num sentido antiditadura e anticapitalista, se colocam como palavras de ordem das massas em movimento. Surge, então, da boca dos trabalhadores, uma proposta de ruptura com o velho sindicalismo, que a história e a sociologia vão identificar como matrizes de um “Novo Sindicalismo”.

O desejo de desatrelar o sindicato dos patrões e do Estado, o fim do imposto sindical e a construção de uma nova estrutura sindical, de combate, de classe, de luta, surgida da base, num sentido antiditadura e anticapitalista, se colocam como palavras de ordem das massas em movimento.

5 - A década de 80 e a ruptura entre a CGT e a CUT

Nos anos de 1979 a 1981 o sindicalismo combativo foi derrotando os pelegos nas eleições de importantes sindicatos, tanto de categorias da indústria, quanto de serviços e comércio. As assembléias, passeatas e piquetes passaram a ter a presença constante de policiais, jagunços, elementos provocadores, com a função de controlar, espionar, ameaçar e agredir os que estavam na linha de frente das mobilizações. Alguns setores do sindicalismo atrelado passaram a participar mais das atividades nas fábricas, disputando hegemonia com o Novo Sindicalismo. Os pelegos tradicionais buscaram se renovar, conformando alianças com setores da esquerda, como o PCB, PcdoB e MR8. Muitas eleições sindicais nos anos de 1979 a 1983 tiveram a participação de chapas compostas pelos pelegos e forças políticas que lutavam contra a ditadura e que foram vítimas da repressão do fascismo de Estado.

Essas organizações de esquerda estavam presentes em muitas e importantes direções sindicais, em composição com o sindicalismo da estrutura oficial. Argumentavam que o Novo Sindicalismo era divisionista, fragmentava e enfraquecia os trabalhadores e defendiam uma organização mais rígida, unificada em torno dos sindicatos. Na prática foram contra a autonomia sindical, buscando enquadrar o movimento sindical a uma proposta de reformas no modo de produção capitalista e de transição sem traumas da ditadura ao Estado democrático de direito. Esse confronto dos sindicalistas autênticos e combativos com a estrutura sindical pelega e aliada a estas organizações de esquerda se aprofundava na medida que as lutas se intensificavam. Havia em disputa duas concepções não só de estrutura sindical, mas principalmente de seu papel na sociedade e de que projeto de sociedade e de Estado se pretendia construir.

O trabalhador se educa nas lutas, se politiza nos conflitos, se torna sujeito de sua história, e rompe a alienação. O sindicato é importante instrumento de educação coletiva das massas. As lutas contra os patrões e o enfrentamento à repressão policial, os debates travados nas assembléias, as palavras de ordens gritadas nas passeatas, os congressos e as discussões de propostas contra o capital e o capitalismo são espaços e mecanismos de educação política dos trabalhadores. A formação política, e a reflexão crítica organiza as idéias e a teoria que se produz da prática das lutas. Esses elementos o Novo Sindicalismo resgatou e os trabalhadores assumiram seu protagonismo. No início da década de 1980 (precisamente nos anos 1981 a 1983), o movimento sindical buscou construir um projeto político que unificasse as lutas e superasse a estrutura herdada do Varguismo e aprofundada na ditadura.

Imposto sindical: o divisor de águas

A busca da unidade passava pela construção de uma nova estrutura sindical, que negasse o imposto sindical (base de sustentação financeira da burocracia sindical à época), revogasse os entraves e entulhos ao livre exercício da liberdade e autonomia sindical (presentes na estrutura corporativa e vertical, produzida pelo Estado Novo), garantisse a livre organização da classe, com participação das bases, e que se colocasse contra o Estado capitalista, pelo fim do regime militar e de sua política econômica de arrocho e exploração dos trabalhadores. Essas reivindicações, dentre outras, formaram o terreno por onde caminharam os autênticos e os pelegos, na busca de criação de uma central sindical que representasse o Novo Sindicalismo.
A criação de uma comissão nacional pró-CUT foi a representação concreta do esforço pela unidade em torno de um projeto sindical livre, autônomo, democrático e de classe. Em 1983, após encontros por vários estados, foi organizado o Congresso Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat), onde dois campos políticos se constituíram. Os pelegos e seus aliados à esquerda defendiam uma integração à estrutura sindical oficial, uma transição por dentro, entre o modelo corporativo e o de livre organização. Os representantes do Novo Sindicalismo defendiam uma ruptura com a estrutura oficial, a livre organização imediata, a autonomia para os trabalhadores se organizarem independentemente do Estado e dos patrões. O imposto sindical foi o grande divisor de águas. O velho sindicalismo insistia na permanência de sua cobrança, e os autênticos se posicionaram abertamente contra sua existência. O congresso não conseguiu um ponto de unidade, e os dois setores se separaram, vindo a constituir duas centrais diferentes.

As forças ligadas à estrutura corporativa se retiraram do Conclat e fundaram, em 1984, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) tendo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (dirigido pelo agente da ditadura e arquipelego Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão) à frente daquela central. Antes, os setores que se reuniam no chamado Novo Sindicalismo fundaram, em 1983, a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Portanto, a CUT viria a se constituir na primeira central sindical independente, ao arrepio da estrutura oficial, que não permitia a existência de centrais sindicais pois elas remetiam à herança da COB (Central Operária Brasileira), de 1908, de inspiração anarco-sindicalista – ou seja, um perigo para a ordem capitalista.

Os novos movimentos, no campo e na cidade

A CUT esteve na linha de frente na campanha por eleições diretas para presidente da República, e pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que veio construir, em 1988, uma nova carta constitucional para o Brasil. A conjuntura dos anos 80 foi de lutas dos trabalhadores, retomada das entidades e do movimento estudantil, de surgimento de novos movimentos sociais urbanos (movimentos de mulheres, negros, homossexuais, reforma urbana e moradia, saúde pública, educação pública e de qualidade sob responsabilidade do Estado, entre outros) e também rurais – o mais importante deles foi surgimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que é produto da injusta e perversa concentração da propriedade da terra no Brasil, uma herança do colonialismo, das capitanias hereditárias e do latifúndio monopolista.

A CUT se consolidou em três congressos nacionais realizados na década de 1980, imprimindo a marca da liberdade de organização sindical. Muitos sindicatos se constituíram ao arrepio da CLT, e a autonomia foi colocada em prática na criação de estruturas horizontais, coletivos, plenárias, e de uma estrutura sindical baseada nas formas de federações democráticas. As chapas encabeçadas pelo Novo Sindicalismo-CUT passaram a dirigir importantes sindicatos industriais, como os do ABC, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Campinas, Contagem e Belo Horizonte, e os sindicatos de bancários de praticamente todas as capitais brasileiras.

No meio rural, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), que existe deste a estrutura montada pelo Varguismo, passou a ter participação crescente de lideranças e sindicatos ligados à CUT, até que, na década de 1990, efetiva sua filiação à CUT. O novo sindicalismo também cresceu no campo, impulsionado pelas lutas dos assalariados rurais e dos pequenos produtores e camponeses, que assumiram a luta pela reforma agrária. O MST, apesar de não se organizar em sindicatos, também contribuiu para que o campo se tornasse protagonista político e sujeito social importante nas lutas pela democratização do acesso e posse da terra, bem como para constituição de políticas sociais públicas, como saúde, educação, moradia, saneamento e eletrificação do espaço agrário.

A CUT se consolidou em três congressos nacionais realizados na década de 1980, imprimindo a marca da liberdade de organização sindical. Muitos sindicatos se constituíram ao arrepio da CLT, e a autonomia foi colocada em prática na criação de estruturas horizontais, coletivos, plenárias, e de uma estrutura sindical baseada nas formas de federações democráticas.

Bibliografia básica

• BADARO. Marcelo. Novos e Velhos Sindicalismo no Brasil. Tese de Doutorado/História-UFF, RTexto Impresso, 1998, RJ
• BOITO, Armando Boito JR. Sindicalismo e política neoliberal no Brasil, Boitempo editorial, 2000, SP
• MOLINA. Helder. Breve História das Lutas e Concepções Políticas dos Trabalhadores no Brasil.. Texto para Curso de Formação Sindical, Rio de Janeiro, Sindpd/RJ, 1999.
• MOLINA. Helder. Capitalismo, sindicalismo e educação dos trabalhadores: Uma análise da política nacional de formação da CUT. Dissertação de Mestrado em Educação, UFF, 2003
• ROLLEMBERG, Denise. Movimento Sindical no Brasil, Mimeo, 1998, RJ.
• SEGATTO, Jose A. História do Movimento Sindical no Brasil. Mímeo, 1990, RJ

Helder Molina – Historiador, professor da Faculdade de Educação da UERJ, Assessor de Formação Política da CUT-RJ e do SINDPD/RJ

Rio, Dezembro de 2007